terça-feira, 21 de agosto de 2012

Uma crónica intemporal - Era em Agosto…

*M. Nogueira Borges
Era em Agosto com as águas deslizando para as hortas, os vinhedos repletos de verde e de doçura, os homens de coletes a tiracolo e sacholas pelos ombros, as mulheres mastigando broa e encolhendo ciúmes, as crianças a jogarem às escondidinhas no adro da capela e nas curvas dos quelhos, os cães e os gatos a barafustarem nos terreiros do casario perseguindo galinhas e garnizés, o bêbedo de sempre arrancado à taberna pelo filho desgostoso ou pela mulher já habituada.

A tarde acabava assim, com o sol a morrer devagarinho por detrás das montanhas, uma fresca macia alegrando as almas, os velhinhos do Asilo a derreterem minutos para a ceia e o médico a abandonar a Casa do Povo.

A menina senta-se ao piano e os seus dedos brancos deslizavam suavemente pelo teclado.

As Rosas da Despida desfolhavam-se em emoções e os sons espalhavam-se pelos corredores e escapuliam-se, serenamente, pelas janelas abertas, flutuando no silêncio da noite como fantasias de crianças. Ecoavam além, nos contrafortes dos montes ou no fundo do vale a quem os antigos chamavam poço do vinho.
Era Agosto e as festas do Socorro anunciavam-se. As ornamentações engalanavam as ruas, os carrinhos e os carrocéis enchiam a Alameda e as iluminações não deixavam sombras para namorar. Quando as lâmpadas desenhavam o campanário da Igreja do Peso muitos olhos se desviavam lá para cima a ver se os Remédios já cintilavam.

Era um tempo em que a perseverança não se excepcionava e a terra cavada com suor dum esforço ancestral tinha uma história feita de lendas e as gentes sonhos sem fim onde se recriavam a habitualidade, se espevitavam futuros, se diversificavam motivações e se engrandeciam espaços.

As Festas do Socorro eram um compasso de espera na roda do tempo e do trabalho, estreias de fatos e vestidos, arranjos de cabelo nos salões da Vila que a Régua ainda não era cidade de nome.

Era a romaria dos desenraizados do litoral em retorno aos almoços de cabrito assado e arroz de forno nas mesas familiares. As estradas enchiam-se de carros e de excursões, os comboios fumegavam na Estação, um mar de gente inundava a princesa do Douro e todos eram conhecidos.

Havia crianças ao carrachol e idosos amparados a bengalas, cantadores de chulas, tocadores de realejos, bombos, ferrinhos e concertinas. Dançava-se no meio das ruas e em todos os cantos onde o pó escondia feições.

Os rapazes sopravam em cornetas de barro, mercavam-se panos, mantas e potes para a vindima, voavam ilusões sobre o murmúrio humano, as gargalhadas estrondeavam, avinhadas, nos tascos e cafés, à mistura com o tilintar dos copos, e as tristezas estavam trancadas nas casas vazias das aldeias em redor.
Era em Agosto e, quando a Senhora do Socorro se passava, no andor florido, por entre alas de bombeiros e anjinhos, a multidão esquecia a profanidade e ajoelhava-se em silêncio de Fé encomendando promessas, gemendo aflições e cantando alegrias. A Senhora a todos sorria numa magnanimidade de ternura e perdão que marejava os olhares dum povo cheio de memórias de sacrifício glosadas por poetas e prosadores.

Era Agosto e as uvas amadureciam à espera dos cestos…
- In  Boletim das Festas de Nossa Senhora do Socorro.


*Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor e poeta do Douro-Portugal. Nasceu no lugar de S. Gonçalo, freguesia de S. João de Lobrigos, concelho de Santa Marta de Penaguião, em 12.10.1943. Faleceu em 27 de Junho de 2012 na cidade de Vila Nova de Gaia. Frequentou o curso de Direito de Coimbra, cumpriu o serviço militar obrigatório em Moçambique, como oficial mil.º e enveredou pela profissão de bancário. Tem colaboração dispersa por diversos jornais, nomeadamente: Notícias (de Lourenço Marques); Diário de Moçambique (Beira), Voz do Zambeze (Quelimane), Diário de Lisboa, República, Gazeta de Coimbra, Noticias do Douro, Miradouro, Arrais e outros. Em 1971 estreou-se com um livro de contos a que chamou "Não Matem A Esperança". (In 'Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses', coordenado por Barroso da Fonte. Manuel Coutinho Nogueira Borges está no Google.
  • Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue.
Clique nas imagens para ampliar. Texto e imagens cedidas pelo Dr. José Alfredo Almeida. Fotos de Miguel Guedes. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012 e em homenagem ao saudoso Amigo MANUEL COUTINHO NOGUEIRA BORGES. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos. 

As Festas do Socorro


João de Araújo Correia
Não devem ser muito antigas as festas do Socorro. Devem datar do princípio do nosso século ou dos últimos anos do século passado. É crível que se tenham desenvolvido com o crescimento da Régua, vila moderna que tentou imitar Vila Real e Lamego, realizando festas semelhantes às de Santo António e às de Nossa Senhora dos Remédios. É natural que a Régua, situada entre dois burgos lendários, dissesse entre si: também eu nasci ontem, quero festas iguais às de Lamego e às de Vila Real. Iguais ou superiores…
À parte a emulação, terá contribuído para engrandecer as festas reguenses a actual imagem da Virgem Nossa Senhora do Socorro. Dizem que a imagem antiga era tão pequenina, tão humilde, que mal se enxergaria se saísse à rua, como rainha da procissão, no dia 15 de Agosto. Foi preciso que Francisco Pereira da Costa, antigo caiador, regressasse do Brasil com dinheiro suficiente para oferecer à igreja da sua terra uma Nossa Senhora do Socorro nova. Ofereceu-lha como se lhe oferecesse o retrato de sua esposa. O rosto da Senhora é reprodução do rosto da Rosinha – mulher do caiador. O artífice repatriado quis perpetuar e divinizar, na obra encomendada e recomendada, as adoradas feições da sua companheira. De exemplo de amor conjugal confundido, em adoração, como amor à Virgem.

Nossa Senhora do Socorro não é padroeira da única freguesia que constitui a Régua ou, melhor dizendo, o Peso da Régua – nome oficial. Padroeiro da Régua é S. Faustino. Mas, ninguém quer saber de semelhante santo, ninguém lhe reza uma oração, ninguém lhe acende uma vela. Tem imagem na igreja, mas, essa imagem, só por grande milagre figura na procissão. É uma bela imagem, mas, esquecida à míngua de devotos e devotas.
S. Faustino foi mártir. Não contentes com isso, os seus paroquianos prolongaram-lhe o martírio, condenando-o, depois de morto, à moderna pena do silêncio. Tanto, que só uma vez puseram nome de Faustino a um neófito. Abundam as Marias do Socorro, porque a Virgem do Socorro é, de facto, a padroeira da Régua. Quando sai à rua, bem vestida e bem ourada, provoca êxtases religiosos. 
(…)
- Peso da Régua, 5/9/66 - In livro “Horas Mortas”, da Imprensa do Douro.
Clique  nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida e editadas para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Dona Florinda - Uma benemérita muito especial

"O egoísmo, a insensibilidade, a frieza de espírito, nascidos de um sistema que liquida os laços sociais de que a humanidade é fundamento, determinam e talvez expliquem este nosso amargo tempo".
Baptista-Bastos

Lembrei-me da Dona Florinda que é como afectuosamente a trato. O seu nome completo é Florinda Rosa da Assunção Pilroto. Mas, na Régua, é conhecida como a Dona Florinda. Assim lhe chamam também os seus vizinhos, os amigos, os escuteiros e os nossos bombeiros voluntários que com ela se relacionam. E, não me engano, que lá na eternidade, os anjos santos devotos e as alminhas devem fazer o mesmo.

Acredito que, na Régua, não haja quem tenho ouvido falar da sua simplicidade e bondade. À sua maneira, ela faz parte do quotidiano social e de uma forma singela e surpreendente marca o ritmo da sua vida, entre o presente e as recordações, a realizar pequenas obras de solidariedade e pequenas acções de benemerência. Já ajudou a igreja a reparar imagens dos Santos, os escuteiros e a associação de bombeiros. Quase à beira dos seus 87 anos, a sua vida é uma lição que quebrou rotinas e as barreiras da sua solidão e a sua forma pessoal de se relacionar com as outras pessoas. Em vez de ficar a viver um vazio existencial consegue ser a protagonista de uma história que é um raro exemplo de participação cívica e cidadania activa.

A Dona Florinda teve um berço humilde, nasceu num bairro pobre que existiu à beira rio, no velho cais de baixo, e cresceu no seio de família numerosa abandonada à sorte de um destino que lhe trocou as voltas. Viveu rodeada de muitos amigos, gente tanto ou mais anónima como ela, que a morte já levou deste mundo, mas que lhe deixou muitas saudades dos tempos felizes e que fala deles como se fossem fantasmas abandonados num mundo, para nós, inexistente. Apesar da modesta instrução, apenas fez a terceira classe na escola das Rua das Vareiras, depois de deixar de trabalhar, a morar sozinha, sem família próxima, procurou nas suas convicções religiosas um sentido útil para não viver entre o presente e os retratos do passado.

Hoje aqueles que a vêem passar curvada no seu pequeno e magro corpo, derreado de lenço atado na cabeça, bengala na mão rugosa, a puxar um carrinho de compras, podem pensar que é uma curiosa e divertida personagem de ficção. Mas estão enganados! Ela é uma mulher afável, perspicaz ao que se passa à sua volta, com necessidade de ainda interagir com a sociedade Sem esconder as obsessões da sua idade, ela gosta calcorrear solitariamente as ruas de uma cidade que, senão a ignora, lhe mostra indiferença e estranheza. O que não a embaraça de fazer com normalidade o seu dia-a-dia. Vai fazer as compras na Mereceria do Arnaldo Marques e do Fernando Azeiteiro. Devota de muitos Santos, com os quais se liga por uma fé inquebrantável, procura os lugares de culto para rezar orações que são mais que meros pedidos de ajuda espiritual. Habitou-se a caminhar ao longo da margem do rio, desfrutando a beleza da paisagem, para travar conhecimento com os tripulantes dos grandes barcos de turismo, ancorados no moderno cais fluvial, para lhes fazer entender com esse lugar mudou e lhe traz saudades de outros barqueiros, como a mítica Felisbela. Também se dedica a cuidar os animais e, houve tempo, que dava nome aos patos selvagens do rio que dela se abordavam para comer as sobras da sua comida.
Das muitas missões de carácter filantrópico que se encarrega de realizar, a que faz com mais afeição é a de zeladora das alminhas do Senhor dos Aflitos. É nesse oratório, perto do mercado municipal, que se dedica às alminhas do outro mundo, no qual acredita, mantém acesas as velas, cuida da limpeza e, passa horas a fio, a rezar orações guardadas num novelo emaranhado da sua lúcida memória. Através dessa ligação ao divino e ao transcendente é assim que, através das suas preces, que ajuda quem precisa de paz espiritual.

Nunca escondeu que tem pelos bombeiros uma admiração antiga, que remonta aos tempos da sua infância, onde conhecera briosos bombeiros, infelizmente falecidos, como o Quim Laranja, Manuel Paixão, seus primos, e o Quim Santos, um barbeiro estabelecido na rua da Ferreirinha. Lembra-se do Comandante Camilo Guedes Castelo Branco, figura de respeito, um respeitado poeta, que se lembra de ver à porta do quartel, quando este ainda era numa velha casa do Cimo da Régua e os rituais dos incêndios eram bem diferentes. É ainda do tempo que se ficava a saber em que rua andava o fogo pelos toques do sino da Igreja do Cruzeiro.
Para os bombeiros de hoje, a Dona Florinda é também conhecida como a Senhora dos Santos. Este carinhoso qualificativo tem uma explicação. Quando precisaram de substituir a imagem do padroeiro São Marçal, no Quartel Delfim Ferreira, foi ela que tratou de angariar o dinheiro necessário para a adquirir. Mais tarde, voltou a presenteá-los com um outra imagem do Santo para ficar no Edifício Multiusos -Sala Museu.

Os bombeiros manifestaram-lhe a gratidão numa cerimónia solene  realizada no Salão Nobre do seu Quartel. Nas comemorações do 129º aniversário da associação deram-lhe uma Medalha de Serviços Distintos – grau prata, concedida pela Liga dos Bombeiros Portugueses. Quiseram, assim, reconhecer uma mulher simples que contribuiu, à sua maneira, para os valores do associativismo e da causa do voluntariado. Comparado com outro o seu contributo pode até ser diminuto, mas tem um valor simbólico um valor inestimável.

Depois faz sobressair uma atitude cívica pouco comum nos tempos difíceis que correm. Quem mais tem, salvas raras excepções, não ajuda a causa humanitária dos bombeiros, nem sequer outras obras de solidariedade.

Lembrei-me da Dona Florinda. Ainda bem que o fiz. O que sabemos da sua biografia identifica-a como uma mulher deste mundo e do outro que, anonimamente, se dedicou a acções solidárias que contribuíram sempre para ajudar o seu semelhante. Quando os bombeiros a reconheceram com o estatuto de uma benemérita, quiseram testemunhar não apenas a sua gratidão, mas a da sociedade reguense. Acreditem que esta humilde mulher merecia diferente reconhecimento pelas causas filantrópicas que se empenha e ninguém mais parece acreditar.
Para a Dona Florinda, a sua vida não passou em vão. Costuma-se dizer que os bons exemplos, mais que as meras palavras, educam. O seu exemplo de vida alvitra para aqueles que, na sua terra, nada fazem pelo bem comum. Aos 87 anos, o seu rosto cansado guarda uma expressão feliz que espelha bem aquilo que ela é e, porventura, queria ter sido e, verdadeiramente, conseguiu ser.

- José Alfredo Almeida*
Peso da Régua, Agosto de 2012

Nota - É simpática senhora com 87 anos que, anonimamente, ajuda causas filantrópicas e instituições de solidariedade. Também como religiosa, se ocupa da missão de zelar pelas alminhas do Senhor dos Aflitos, junto ao Mercado Municipal. A Dona Florinda é figura do povo reguense que se destaca pela sua humilde generosidade. E que ofereceu para o quartel dos bombeiros duas imagens de S. Marçal. Uma delas saiu à rua no andor que os bombeiros transportaram na Procissão de Triunfo das Festas de Nossa Senhora do Socorro 2012, dia 15 de Agosto.- JASA
*O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS" edição de 23 de Agosto de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A minha RÉGUA ! - 38

Fotos que refletem um estado de alma sobre a nossa cidade


Se participa da rede social 'FaceBook', poderá apreciar a coletânea de imagens 'A Minha Régua' (até ao momento com 668 fotos) no álbum 'Peso da Régua'.
Clique  nas imagens para ampliar. Imagens cedidas por José Alfredo Almeida e editadas para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Retalhos da net: CONTOS SOMBRIOS de Mónica Baldaque

Livro de uma escritora da RÉGUA

Transcrição de "O Fio de Ariadne" (Zilda Cardoso) - Quinta-feira, 14 de Julho de 2011

Mónica Baldaque acabou de publicar um belíssimo livro que intitulou Contos Sombrios. Contos inspirados nas memórias de alguém que sabe dizer o que a tocou fundo e a relacionou com o mundo. E isto está escrito no livro do princípio ao fim com estas palavras e com outras.

Os contos são muito bons - são histórias de despedidas, diz-se na contra-capa. Trata-se fundamentalmente de se afastar de uma casa que vai ser vendida e que se tornou um espaço de memórias e de histórias de personagens que ali viveram, que a narradora conheceu e agora evoca. Talvez tenham acontecido, talvez não. A autora conta essas histórias "cheias de lacunas e de abismos" como se as tivesse ouvido a essas personagens no lugar mítico, na casa da Quinta do Douro, onde podiam ter acontecido.

Elas marcam também para a narradora, talvez autora, a despedida de uma época da sua vida que não se vai repetir e de que possivelmente lhe ficaram saudades.

Comovem-me sempre estas histórias não apenas por serem de despedida mas por se inspirarem em memórias de infância, em episódios que a narradora viveu ou que testemunhou ou com que sonhou. O que evoca é a época, o ambiente, a casa, as pessoas e os fantasmas que ali viveram – fez de tudo personagens com os seus conflitos, as misérias, os seus desejos, as sombras, as ruínas…

O que admiro na autora é a sua extrema sensibilidade para as coisas do mundo ou de certo mundo, a riqueza da sua solidão tão produtiva, o silêncio que aprecia e a concentração que alcança na procura do caminho do sagrado em si e naquilo que a rodeia. Admiro os seus conhecimentos, a sabedoria, os seus gostos requintados, a sua arte.

Porém, não esqueço que, ao estar desperta e a prestar atenção à sua voz interior, ao questionar e ao procurar a verdade em cada coisa e em cada acontecimento, ao meditar ou ao reflectir sobre isso, ela está a aproximar-se de Deus pelo caminho da espiritualidade. E está, nos seus contos, a convidar-nos para esse caminho de encontro e de transcendência.

“Há muitas coisas de que não me lembro. Outras, lembro-me de as lembrar. Outras, essas ficam bem nítidas, umas aqui, outras além, e são todas essas que tecem as minhas memórias.

Desde muito pequena que o sei: a minha força, o meu mundo interior nunca ultrapassou os lugares do meu imaginário. Nem vai ultrapassar. Por mais viagens que eu faça, por mais encontros que eu tenha, há um tempo inalterável. E desde criança que lá está tudo, intacto, como um embrulho de raízes.

O som mais longínquo de que tenho memória é o da voz da minha mãe a chamar “mãe”!

Rolava o som pela casa como uma nuvenzinha de partículas frágeis, transparentes, prontas a desagregar-se contra os estores de pano-cru queimados do sol. O som abria-se no quarto do mirante, junto à minha cama, batia na caliça da parede e saía ligeiro pela porta…”

É assim que principia A caveira da tia Assunção. Mónica fala de outros sons – o dos passos, o do vento e o do silêncio das tardes. Este último é o mais excitante dos silêncios.

Espero que apreciem como eu os Contos Sombrios, de Mónica Baldaque.
Por Zilda Cardoso às 16:31
Mónica Baldaque - Nasceu no Douro, no lugar de Ariz, Peso da Régua. O Douro tem uma importância fundamental na sua actividade de pintora, patente em grande parte da sua obra, alguma publicada em livros e catálogos. Profissionalmente está ligada à museologia, sendo conservadora principal de museus. Tem exercido cargos de direcção, estando actualmente nos museus municipais do Porto. Pertence ao conselho directivo da Associação dos Amigos do Museu do Douro e ao conselho cultural da Fundação Eça de Queiroz. Na pintura tem uma vasta obra no retrato e na paisagem. Realizou exposições individuais e participou em exposições colectivas. Integrou o grupo dos artistas convidados pelo Museu do Douro para criarem cinco rótulos para cinco produtores de vinho do Porto. Este é o seu terceiro livro. Filha de Agustina Bessa-Luís.
Bibliografia de Mónica Baldaque no "WOOK"
Clique nas imagens para ampliar. Contos Sombrios de Mónica Baldaque - Edição/reimpressão: 2011 - Páginas: 216; Editor: Ulisseia; ISBN: 9789725686744; Coleção: Ficção; Mónica Baldaque no Google.