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sábado, 15 de março de 2014

A PROMESSA CUMPRIDA

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A velha urbe flaviense recolhia-se às abas da Serra Amarela, vinda das bandas do Gerês, elevada nas redondezas do Quartel, protegendo a veiga produtiva, até se perder em domínios castelhanos. Fazia um frio de rachar e a neve branqueava as agulhas daquela.

Era uma cidade-quase-vila, de velhas pedras lambidas pela história e pelas águas do Tâmega, com uma ponte onde não se apagavam as marcas dos tropéis romanos, um castelo esquecido de rivalidades fronteiriças, invernos tristes e desconfortáveis, ruas desertas e janelas sem rostos. Tinha, contudo, o delicioso aconchego de província, as gentes festejavam os olhares e fraternizavam-se na proximidade. Os mais afoitos, quando os serões televisivos nacionais ou espanhóis não convidavam a ficar em casa, juntavam-se nos Cafés e no único Cinema. Cidade simples, sem afectações cosmopolitas, todos se conheciam a ponto de o carteiro distribuir a correspondência sem olhar para os números de polícia. Estranhos eram os militares que, ciclicamente, desciam dos comboios a abarrotar, acartando malas e garrafões, para tirocinarem na especialidade de caçadores, partindo, depois dela, anónimos e espaçados, para os barcos da lisboeta Alcântara, o destino marcado nos matos africanos. Mas, enquanto permaneciam, depois de um breve acomodar, misturavam-se satisfeitos na convivência civil, recebidos com carinho pela idiossincrasia local e a compreensão dos ditames que os obrigavam. O movimento comercial gerado era mais uma consequência do que uma exclusivista razão de interesse. Às vezes, ficavam raparigas à espera de carta, mas não se incomodavam muito quando elas não vinham porque havia sempre comboios a chegar à estação. Vendiam-se, da vizinha Galiza, caramelos e bebidas, roupas e perfumes que não precisavam de trilhar os desvios do contrabando; as gentes, de ambos os lados, cruzavam-se como se do mesmo mapa fizessem parte que a raia abria-se aos rostos e familiaridades acostumadas.

Luís, enfiado na cama, olhava, pelo janelo gradeado, a chuva repetitiva. Mexeu-se no beliche e aconchegou os cobertores. Precisava de dormir pois ainda teria um turno para fazer, mas, o sono não pegava. Na Casa da Guarda, o silêncio só era quebrado pela tosse do Sargento Féteira. Quantas noites destas, sem pregar olho, teria de passar nos anos que lhe faltavam para regressar à vida civil? África esperava-o. África, para ele era aquilo que o Aspirante lhe explicava na instrução, o que ouvia falar aos que já por látinham passado o mato, as picadas, as emboscadas, os cercos, os tiros, os corpos estropiados, o ter que matar para viver.

O Sargento voltou a tossir, parecia que lhe saltavam os bofes.

O que lhe convinha era a sorte do Ribeiro que, ainda no último domingo, entre uns copos, lhe voltara a repetir a mesma conversa: apanhara com duas granadas nas pernas e nenhuma rebentara. Caramba!, o tipo não andaria com aquela ladainha toda só para impressionar e se armar em valente? Ele nem era nada de especial, conhecia-o bem, uma vez até lhe veio pedir ajuda para uma questão antiga com o Zé da Formiga, que andava sempre a ameaça-lo que um dia lhe cortava o pescoço. Se calhar nem um tiro dera e para se enfatuar arrazoava aquilo.

O Sargento tossiu novamente, agora mais demorado, pareciam arrancos dos pulmões.

Coitado, o homem estava todo roto. Ele também dizia que as madrugadas africanas é que o puseram assim, o nevoeiro de lá era tramado, metia-se nos ossos e dava umas febres que até podiam matar. Havia de perguntar ao Ribeiro como era isso do cachimbo ou cacimbo, toda a gente o nomeava. O que ele mais queria não podia afiançá-lo: voltar vivo. Se morresse, que fosse num instante, sem dar tempo para se aperceber; assim: “um tiro, tau, e já foste”. O Aspirante Correia, que era da sua terra e lhe dava boleia aos fins de semana, bem lhe dizia para não ser pessimista e pensar em gajas boas para se distrair, sem se amarrar a nenhuma, e que haveriam de regressar os dois com os amigos e a família a botarem foguetes. De uma coisa ele não desistiria: viesse lá quem viesse, naquele corpo só poria a pata quem se antecipasse na sorte ou no fogo. Custava-lhe deixar a Mãe que passava a vida a dizer: «Mal tu partas, ponho luto e só o tiro quando regressares.» Pareceu-lhe que a chuva entrara na caserna e lhe inundava os olhos. Puxou o lençol sebado e limpou o rosto. O Pai não lhe custaria tanto, sempre bêbedo, dando mau viver, a entrar em casa aos berros, gritando que estava farto de trabalhar sem que o dinheiro chegasse, que o que gastava em vinho era um migalho de nada.

O Sargento teve outro ataque de tosse, aquilo dava-lhe como se um relógio despertador lhe marcasse os tempos de descanso e de tosseira.

Quando viesse também teria aquela tosse como a esgana de um cão? O Féteira não era mau tipo, um chico sempre com os regulamentos na boca, a ameaçar porradas a torto e a direito, aos berros de «vocês não me fodam! Eu quero é chegar ao meu tempo sem problemas e, depois, mandar-vos todos p’ró caralho! Ouviram ou querem que vá ao micro?!».

Mas o que lhe importava, agora, era a sua próxima licença de Natal, comer o bacalhau e as rabanadas da Mãe, mesmo que o Pai só pedisse vinho. Quem sabe se seria o último? Em África, diziam, não havia Natais nem nada, aquilo era sempre igual e tinha que se estar sempre com os olhos abertos para não se ser apanhado com as calças na mão.

O Cabo da Guarda nem precisou de o chamar. Mal o viu entrar no cubículo, levantou-se, vestiu o capote, enfiou o capacete, pegou na G-3, esperou que os outros se arranjassem e lá foi para o seu terço de sentinela. O bofetão da madrugada devolveu-lhe a realidade. Bateu várias vezes com as botas no chão, esfregou as mãos, bufou-lhes, e, trocada a senha, plantou-se na guarita. A manhã estava vai-que-não-vai para nascer, o rascunho do sol ganhava definição, já havia barulhos e vozes domésticas nas casas rentes ao muro. Sua Mãe, a esta hora, devia estar a preparar-se para ir ao Corgo lavar a roupa; o Pai, esse, só pelas sete costumava terminar a cura da borracheira para a reiniciar com um naco de broa, uma fatia de presunto e um copo de aguardente que a Tia Francisca do Alto – secular e durázia governanta da quinta em que ele, por intercessão dela, trabalhava aos dias – lhe dava, às escondidas dos patrões, com o carinho condoído por alguém que substitui o filho que não se teve.

Luís, no seu posto de inútil vigilância, pedia que o sol se apressasse e sonhava com o dia da sua licença de Natal. Ele ignorava que aquele seria - felizmente que ninguém sabe quando é – o seu último Natal.

Luís morreu, num dia de Novembro de mil novecentos e sessenta e oito, na serra Mapé, ali onde a Frelimo não suportava a tropa do puto. O destacamento de que fazia parte, incumbido de subir a serra para dar protecção aos fuzileiros que terminavam a nomadização, descia para Macomia com a miragem de uma semana de descanso na praia de Wimbe. Uma bazucada não lhe deu tempo para chamar pela Mãe. Morreu
como quisera: “tau, já foste!”. A granada embateu no ponto em que a porta se ajusta ao tejadilho, ricocheteou para o interior da cabina da Berliet e, num estoiro de fim do mundo, desfarelou-os, a ele e ao condutor, enquanto o resto da coluna, saltando das viaturas, despejava carregadores e filhos da puta à toa numa resposta de desespero e raiva à emboscada. Foi enterrado, a aguardar vez para um calado regresso em urna de chumbo, no cemitério de Porto Amélia, debruçado para o Índico. Não soube se a serra Mapé era Amarela e se o Natal africano tinha frio e neve.

O Aspirante Correia, já Alferes, enquanto o acompanhava, sentado no Unimog a cair aos bocados, ao lado da urna, olhava a medalha que ele lhe entregara, numa premonição inocente, para «no caso de eu marar, veja se a entrega à minha Mãe».

Cumpriu o que lhe prometera. Numa tardinha de Abril, quando os cavadores se recolhiam para o caldo e o apresigo, viu, da janela, como um dó, o luto da Silvina com um caneco de água à cabeça. Hesitou outra vez - há dias que se consumia na irresolução -, mas, queria livrar-se daquele carrego. - «Tem de ser hoje!». - Saiu de casa e interrompeu-lhe o caminho.

- D. Silvina – pigarreou -, tenho-me esquecido de lhe entregar uma coisa que o Luís me pediu.

- Nem a quero ver, senhor – disse-lhe numa voz enregelada, deixando-o paralisado pela rapidez da compreensão do seu intuito. - Agradeço-lhe a sua boa vontade, mas já nada adianta para a minha vida. – Os olhos não tinham lágrimas, só um frio caliginoso. - Enterre-a ou deite-a fora, dei-lha em vida não a quero na morte.

- Compreendo-a - gaguejou com receio de se abater - , mas tenho que cumprir a promessa. – E empolou a palavra num apelo a escrúpulos religiosos.

Silvina olhou-o num instante que lhe pareceu implorativo (não decifrou se a água que lhe cobria os olhos escorria do caneco ou lhe nascia no peito), abriu a mão direita e disse: - «Deixe-a ver.» Meteu- a no bolso do avental e retomou o andar.

A medalha - nunca o esqueceria - tinha uma imagem da Senhora da Graça e no verso uma frase: «Oferece a tua Mãe.»
- Por M. Nogueira Borges in Lagar da Memória
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segunda-feira, 19 de março de 2012

Autarcas e Turismo denunciam "abandono" da linha entre Régua e Pocinho

Lusa
19 Mar, 2012, 19:18 - Fonte RTP Notícias

O presidente da Turismo do Douro e autarcas da região estão preocupados com o "abandono" da Linha do Douro e afirmam que a retirada do pessoal da REFER das estações indicia mais um passo para o seu encerramento.
A REFER estará a estudar a introdução do RES (Regime de Exploração Simplificado) na linha do Douro, entre a Régua e o Pocinho, retirando assim o seu pessoal das estações do Pinhão e Tua.

Segundo a edição de hoje do jornal Público, com este sistema, é um agente da empresa que viaja no próprio comboio, ou até o próprio revisor, que sai nas estações para pedir avanço a um posto regulador central, localizado na Régua.

Nestas estações, também já não há funcionários da CP, já que os bilhetes são vendidos pelos revisores dos comboios.

O presidente da Entidade Regional Turismo do Douro, António Martinho, repudia veementemente mais esta medida, que considera ser também "mais um passo para acabar de vez" com aquele troço da linha do Douro.

"É um atentado ao interior e ao desenvolvimento turístico do Douro. Não posso aceitar uma situação dessas", afirmou à Agência Lusa.

Martinho lembrou os polos turísticos importantes que são ligados pela linha-férrea, nomeadamente os museus do Douro (Régua) e Côa (Vila Nova de Foz Côa).

"Mas, depois estamos a retirar condições para que os turistas possam fruir a paisagem. Isso é grave, tanto mais que é uma empresa pública a atentar contra o desenvolvimento do turismo e o desenvolvimento económico da região do Douro", salientou.

O responsável acrescentou que, esta medida da REFER, "indicia uma tentativa de abandono e de encerramento da linha entre Régua e o Pocinho".

"O que para mim significa o abandono de uma zona do país que tem contribuído muito para a riqueza nacional, designadamente através do turismo", acrescentou.

Também o presidente da Câmara de Alijó e da Comunidade Intermunicipal do Douro (CIM Douro), Artur Cascarejo, lamentou aquilo que diz ser o abandono da linha do Douro, a qual considerou estratégia para o desenvolvimento deste território e para a mobilidade das populações.

Além do mais, acrescentou, é também uma retirada de empregos à região, já de si tão carenciada.

Segundo o Público, o RES permite poupar duas dezenas de funcionários que estão afetos às estações de Pinhão e Tua.

"De redução em redução caminha-se para a agonia, para o encerramento da linha", frisou o autarca.

A Agência Lusa tentou obter esclarecimentos por parte da REFER, o que não foi possível até agora.

António Martinho lamentou ainda que se tenha "deixado cair" o projeto de retomar a linha do Douro até Barca d`Alva e depois Espanha, que os agentes da região defendiam.

PLI
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sexta-feira, 1 de junho de 2012

Era uma vez um COMBOIO HISTÓRICO ? - A Linha do Tua

Veio em e-mail:

Os sacrifícios do nosso Douro - Os comboios Históricos e a Linha do Tua

Pelo YouTube, vi umas cuidadas reportagens que referiam a importância passada (mas essencial) que, no desenvolvimento do nosso País, tiveram as linhas ferroviárias, e evidenciavam a da via reduzida do Tua, que davam como exemplo e que destacavam pela imagem, essencialmente. Esta linha era uma grande atração... O seu significado para as populações era enorme, porque permitia a interligação delas e a sua integração no mundo em desenvolvimento. O fecho desta linha, hoje, vai conduzir à saída das populações e à consequente desertificação de partes de Trás os Montes e do Alto Douro. Esta desertificação apresenta-se como inevitável, pois que os povos vão ver agravadas as suas condições de vida, que, aliás, foram sempre difíceis. Eles tenderão a virar as costas a um passado não muito generoso e que não quererão ver ainda mais difícil.

Soube-me bem ver estas reportagens do YouTube e outras ainda, restando-me a esperança de que alguns povos – mais resistentes e teimosos – não terão a coragem de abandonar as terras onde sempre eles mourejaram com os seus pais e avós, com muitos sacrifícios. Com efeito, as imagens reportadas fazem-me ainda acreditar que sempre haverá gente de coração sensível, que vai continuar a lutar pela reposição da sua linha e que o mesmo acontecerá com outras gentes que vão também ser penalizadas pelo fecho de outras linhas nas suas regiões, lutas que irão culminar em grandes reclamações conjuntas, a exigirem o respeito devido pelas populações do interior, do Portugal profundo, e contra aqueles que determinaram as medidas que levam à desertificação e lhes esqueceram os inalienáveis direitos e legítimos interesses. Estas linhas férreas eram bens dos povos, que as estimavam e que delas se serviam, como fator de progresso e de segurança contra o isolamento e o abandono.

Gente de fora, gente não servida por estas linhas, gentes sem solidariedade não cuidaram dos sentimentos e necessidades das populações atingidas. Gestores, que respondem pela conservação das linhas abandonadas: desde há muitas décadas que eles se sucedem nos vários poderes, sem que procurassem investimentos na conservação daquelas linhas, que se foram degradando ano a ano, dia após dia. Já em 1945, caminhando eu, “pedibus calcantibus”, pela linha do Corgo, nas imediações de Chaves, pude constatar, espantado, que havia vários troços da linha sem as cavilhas que seguram os carris e que muitas e muitas travessas da via se encontravam num estado de podridão, que punham em risco a circulação dos comboios… Pouco tempo depois, constatei a mesma situação próximo de Mirandela, na linha do Tua. Cerca de 1980, alguns trabalhadores do sector da carga da Rodoviária Nacional, que trabalhavam na estação do Tua, me referiram a sua perceção de que os gestores não estimulavam o rendimento da linha do Douro, nomeadamente da Régua para a fronteira, e que eles próprios iriam ser transferidos para outros locais, mostrando eles um espírito de revolta inesperado, já naquela altura.
Na verdade, a recessão nas conquistas de Abril cedo se revelara já, mas agora é evidente que mais se acentuou. As linhas reduzidas que afluem à linha do Douro, todas elas constituem notáveis atrações de carácter turístico, e mais ainda se a linha principal fosse aberta até à fronteira. Pôr de lado estas linhas é não deixar que toda a região a norte do rio Douro conheça o desenvolvimento que o turismo lhe pode proporcionar, com a melhoria desejável dos níveis de vida das populações. Poderemos considerar tal orientação um verdadeiro atentado contra as populações mais necessitadas.

Interesses ilegítimos forçam a subordinação do desenvolvimento da ferrovia ao desenvolvimento da rodovia, desenvolvimento este contra natura, pela excessiva poluição que provoca, pelo muito maior despesismo com combustíveis e com outros componentes, pela muita maior desequilíbrio da balança comercial pela importância que atinge a importação de automóveis, que se apresenta como um valor pouco rentável, já que a maioria das viaturas se encontra imobilizada em grande parte da sua vida útil. E isto, não contabilizando o enormíssimo número de vítimas que provoca e o custo elevadíssimo da construção e conservação das autoestradas, muitas delas percorridas por carros em número inconcebivelmente insuficiente, de tudo resultando um tremendo erro administrativo, dificilmente aceitável.

A linha do Tua vai continuar na ordem do dia, nomeadamente porque a construção da barragem que leva ao seu encerramento parece posta superiormente em cheque... Com a ajuda das populações, pode muito bem acontecer que todos nós ainda acabemos por ver o comboiozinho resfolgante percorrer os velhos mas renovados caminhos, ladeando vales, seguindo para norte.

Eu gostaria muito de assistir à festa que se realizaria, principalmente por ver nele um comboio amigo que voltava á sua própria casa. Como seria bonito  ver a alegria esfusiante do povo!
- A. Vilela, Maio 2012

(Ativismo virtual - Movimento Civico Pela Linha do Corgo – MCLC - Pela recuperação do transporte de passageiros e mercadorias, por um projecto de turismo sustentável numa viagem pelas encostas do Douro, com a grandeza do Marão, Alvão, Padrela e a beleza da maior região termal do país!)
Clique nas imagens para ampliar. Imagens originais daqui e daqui. Sugestão de JASA (José Alfredo Almeida) para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. Só permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Um ilustre benemérito

Do ilustre benemérito senhor António José Rodrigues guardo eu uma primeira imagem que me ficou já remota, já delida pelos anos que passaram. Nesses recuados tempos, teria eu uns seis ou sete anos, entrei com meus pais no estabelecimento comercial do senhor António José Rodrigues, conhecido no meio pela alcunha de Mumu. Ainda hoje tal epíteto me escapa ao entendimento e também me escapa, ou já não me lembra, qual a peça ou artigo que meus pais foram ali comprar. Seria uma peça de riscado ou fazenda, seria pano-cru ou seria apenas uma meia dúzia de botões? Não sei… O que sei é que a loja do Mumu se situava no enfiamento da rua dos Camilos e um pouco adiante da Pensão Douro.

A bem dizer, situava-se muito perto da estação de comboios. Toda a clientela que viesse às compras à Régua e que ali se apeasse dos comboios ou das camionetas de carreira, tinha por perto a loja do Mumu.

Quando há muitos anos ali entrei, levado pela mão de meus pais, a loja pareceu-me algo modesta, um tudo nada envolvida de soturnidade mas, ainda assim, bem rica de prateleiras, com um variado mostruário de tecidos e fazendas. Ao tempo, foi essa a impressão que me marcou e da qual me lembro.

Também me lembro que, às tantas, uma frase ou um dito do senhor Rodrigues fez com que meu pai risse uma boa gargalhada mas, por qualquer minha distracção infantil, não dei tento do gracejo ou da galhofa, sei lá se de alguma malandrice.

Mas, no correr dos anos, sei que o comércio do senhor Rodrigues era comércio de boa nomeada, boa aceitação e boa freguesia. Ali se vendiam variados tecidos e fazendas, chitas e riscados, xailes e camisolas, cobertores e atoalhados, colchetes e botões. A metro ou à dúzia, tudo era, modo de dizer, um ver se te avias. E a verdade é que o senhor Rodrigues, anos a fio, lavrou nesse comércio as raízes do seu trabalho e do seu desafogado viver.

Digamos, portanto, que tal negócio não lhe foi desventuroso. Digamos ainda que o senhor Rodrigues fazia todos os dias uma boa caminhada desde a residência, no Senhor dos Aflitos, até à sua loja de comércio.

É crível que, passo a passo, num relance de olhos, visse e sopesasse também o negócio dos outros, fosse o chamariz das montras, as particularidades de um amplo balcão ou até o deslumbramento diante da cintilação do oiro e da prata no mercado das ourivesarias. De caminho, era ainda a louvação dos bons-dias e boas-tardes dadas aos passantes e convizinhos. E, se calhar, o senhor Rodrigues ia congeminando sobre o deve e haver dos seus negócios, como quem deita contas à vida. Contas feitas, era como se um fogo de bem-querer e bem- fazer lhe incendiasse o espírito e abrisse os caminhos do humanitarismo. Por acréscimo, o senhor Rodrigues ficou milionário da solidariedade e da benemerência, afeiçoada à honrada e luminosa repartição dos bens.

Eu, a fazer fé nos desígnios deste mundo, direi que, por vezes, as riquezas podem ser muito pobres e miserandas. Tais riquezas, se geradas por uma ambição desmedida e pela cainheza do entesoiramento podem desfazer-se num monte de cinzas e num rescaldo de escombros a céu aberto. Podem ter, afinal, estes acabamentos, estes inesperados desatinos.

Em jeito de conclusão direi que o benemérito António José Rodrigues legou grande parte dos seus bens à Santa Casa da Misericórdia e, principalmente, à corporação dos Bombeiros Voluntários.

Acabou seus dias acamado num quarto particular do hospital da Régua, quarto que ficava mesmo defronte da sala de partos, ali onde se definiam as linhas de toda uma Vida por Vida, ali onde a religiosa Irmã Maria foi parteira de todos os meus filhos.

Eu, já licenciado em medicina, pude visitar o senhor Rodrigues uma ou outra vez e pude ver que tinha diante de mim um cavalheiro já de certa idade, com uns dizeres modestos e suaves, como que à espera do fim. Ao lado, sobre a mesinha de cabeceira, sobressaía uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, encimada pelo fino recorte duma coroa de prata.

Essa imagem foi doada à Irmã Maria em reconhecimento pelos serviços de enfermagem prestados ao senhor Rodrigues mas ela bem sabia do meu gosto por antiguidades e velharias, com particular apetência pela arte sacra. Por isso, alguns dias passados, não estranhei que me entregasse a imagem da Nossa Senhora da Conceição, recatadamente enfiada num saquito de plástico.

E assim, por linhas travessas, salvo seja, a benemerência do senhor António José Rodrigues chegou até mim.
- Peso da Régua, 30 de Julho de 2013, Manuel Braz de Magalhães.
  • Também neste blogue em 7 DE DEZEMBRO DE 2009 - O benemérito António José Rodrigues por  J. A. Almeida.
  • Publicado no semanário regional "O Arrais", edição de 7 de Agosto de 2013:

Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2013. Texo e imagens cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Também publicado no jornal semanário "O Arrais", edição de 07 de Agosto de 2013, Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Peso da Régua - Comboio histórico regressa ao Douro

 (Clique na imagem para ampliar. Imagem de autoria de Pedro Flora extraída do link "Olhares-Fotografia OnLine")
Transcrição:

O comboio a vapor volta a percorrer a Linha do Douro a 23 de Julho, numa viagem que visa fazer «regressar» os passageiros ao final do século XIX e que se vai repetir todos os sábados até outubro.

Café Portugal | quinta-feira, 14 de Julho de 2011
A velha locomotiva a vapor vai percorrer os 46 quilómetros que separam as estações de Peso da Régua e Tua, numa viagem que tem como paisagem predominante o rio Douro e as vinhas património mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
Este serviço, disponibilizado pela CP para a linha do Douro, vai permitir reviver a nostalgia do passado, entre finais do século XIX e princípios do século XX, num comboio puxado por uma locomotiva a vapor e em cinco carruagens de madeira.Durante a viagem, o comboio faz ainda uma paragem na vila do Pinhão, onde se pode apreciar os 24 painéis de azulejos do edifício principal da estação, que representam cenas da principal actividade económica da região (a vitivinicultura) e visitar a Wine House da Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, propriedade da família Amorim.Durante o percurso no comboio, um grupo de música e cantares regionais vai animar os passageiros, serão dadas a provar iguarias regionais e servido um cálice de vinho do Porto da Quinta Nova.Este serviço turístico tem partida marcada para as 14h45 e termina às 18h22. Os bilhetes vão desde os 45 euros para adultos e 25 euros para crianças dos cinco aos 12 anos. Os grupos de dez ou mais pessoas beneficiam de descontos (40 euros para adultos e 20 para crianças).Segundo a CP, os comboios históricos do Douro efectuaram 19 viagens e transportaram 2451 passageiros em 2010. A pensar também na melhoria das condições dos serviços disponibilizados aos passageiros, a REFER terminou em Junho os trabalhos de restauração e conservação dos 3047 azulejos históricos e em tons de azul que compõem os painéis da Estação do Pinhão, após um investimento de 84.240 euros.Os comboios a vapor tiveram uma importância histórica determinante para o desenvolvimento da região do Douro, nomeadamente no escoamento do Vinho do Porto e na comunicação entre as localidades durienses.
- Texto integral transcrito de "Café Portugal". Serviço Combóio Histórico - Linha do DOURO/CP.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A Minha Rua dos Camilos

Assalta-me sempre o sentimento da saudade, quando deito os meus olhos sobre uma fotografia que tenho exatamente da rua dos Camilos, que mostra o que ela era há cerca de 79 anos, isto é, na segunda metade da década  dos anos 30 do século passado, principalmente o trecho desta rua que ia da curva onde funcionavam as oficinas dos Janeiros até ao entroncamento com a rua de Serpa Pinto. É um trecho que me recorda os meus doces  tempos de rapazote e, até, os da meninice.

Ela era uma rua sem perigos, segura, onde todos se conheciam. Na fotografia que tenho presente, salienta-se o prédio onde morava o meu patriarcal avô – Gaspar da Silva Monteiro, de muito boa memória  e onde eu vivi dos 11 aos 14 anos de idade. Este prédio, na fotografia, encobre um outro, contíguo, onde eu nasci e onde vivi até um pouco antes de 1930. O prédio onde viveu o meu avô está separado do da Casa do Douro pela rua da Alegria, o qual por sua vez tinha em frente, no passeio oposto, a casa do “Menino d'Ouro” e uma pequena loja, onde o Né (Rodrigues) viria a montar a sua ourivesaria. Um pouco mais ao lado, a casa onde moravam os Coutinhos, que tinham um seu denodado representante no corpo ativo dos nossos  humanitários Bombeiros.

Caminhando neste mesmo passeio, iríamos encontrar, um pouco mais adiante, uma barbearia, uma outra loja da família do Né e a oficina do latoeiro, de cujos proprietários não me lembram os nomes. Dois passos mais ao lado íamos encontrar o prédio e a loja do Valente Velho e a padaria do Azevedo, um dos fundadores do Sport Clube da Régua, já à esquina da rua. Nesta bifurcação com a rua de Serpa Pinto, estavam as lojas dos Fortunatos, do Borrajo e do Zé Pinto, todos estimados comerciantes. Alguns anos depois, iríamos ver fixado nesta bifurcação um polícia sinaleiro, quando o trânsito automóvel se intensificou.

Se nos aproximássemos de novo da casa do meu avô, encontraríamos um quelho, logo à entrada do qual, se encontrava uma outra ourivesaria e, ao fundo, as limitadíssimas instalações dos Bombeiros Voluntários.

Nesta fotografia que tenho referido, evidencia-se o intenso movimento da rua, mas sendo ainda pouco denso o movimento automóvel, que eram poucos os carros existentes na altura. Pelo contrário, era notável o movimento dos carros de bois, que carregavam as pipas, e passavam chiando, chiando, animando os animais. Naquele tempo, desfilavam na rua as varinas com os pregões, anunciando os seus produtos, e passavam outras mulheres, que carregavam grandes cestas com pão para entregarem a freguesas certas. Era também significativo o movimento de outras mulheres, que carregavam a roupa que lavavam no rio e que, depois, coravam.

Pouco antes da fotografia, fora aberto o novo edifício da Casa do Douro, que ficou repleto com os trabalhadores que nele serviam, sendo comum encontrarem-se pequenos grupos de pessoas a conversarem à porta de entrada da instituição, que também era um ponto de encontro das pessoas. A Casa do Douro era uma pedra preciosa para a Régua e para todo o Douro, era uma instituição importante, só comparável aos regimentos militares de Vila Real e de Lamego e ao próprio caminho de ferro, que serpenteava por toda a região e a fazia feliz.

A rua dos Camilos – o centro da Régua, outros lhe chamavam o “cimo da Régua” – parecia já, em verdade, um formigueiro de gente, de gente ativa, de gente ligada às vinhas e ao comércio, principalmente. Do alto das varandas das casas em que vivi – a casa do meu avô tinha marcado o número 44 – eu passava muito do meu tempo de rapaz a admirar o bulício de tanta gente, muito me admirando a pacatez das ruas de Lamego, que eu visitava com frequência.

Na altura das vindimas, todo o movimento da rua  mais aumentava ainda, merecendo-me destaque a passagem das rogas para as vindimas, que vinham de Trás os Montes e da Beira, homens e mulheres cantando, assobiando pelos seus apitos, tocando bombos e tambores, chamando, com a sua alegria, a população às janelas e varandas, toda a gente em festa, todos se correspondendo.

A rua dos Camilos, correndo desde a rua de Serpa Pinto até à estação dos comboios, tinha, neste lado contrário ao do trecho já referido, aspetos de carater inteiramente diferenciado, pois que víamos muita gente que não conhecíamos a sair e a entrar para a estação a todas as horas do dia, e, na situação de espera, alguns (ainda não muitos) carros de transporte coletivo de passageiros, de Lamego e de Castro Daire, alem de um ou outro táxi, concorrendo com os camiões.

Não muito longe da Estação, quase em frente a um celebérrimo hotel Borges, a ponte dos Guindais, que atravessava a linha dos comboios, e, que naquele tempo, usava de má fama: toda a gente a via, mas ninguém falava dela, salvo em dichotes de humor malicioso. O respeito, respeitinho é muito lindo!...Entre este pontão e o Largo da Estação estava erigida a linda Capela do Asilo, outra instituição meritória, que honrava a Régua.

Todas as referências desta já extensa memória se referem - há que o esclarecer – à vida diurna da Régua, tal como eu a senti, mas, após as 21 horas de cada dia, a vida da população em geral, era quase impercetível. As pessoas tinham de ir cedo para a cama para repousarem, que o dia seguinte seria de intenso trabalho e de negócios, como a rua dos Camilos bem o demonstrava. Só alguns jovens perturbavam os silêncios das noites, para o que a simples presenças de meia dúzia de elementos da GNR (aquartelada no fundo da Rua da Alegria) chegava perfeitamente para evitar excessos, assim se respeitando a ordem pública, porventura sempre em risco, tão insuficiente era a iluminação existente.

A atividade cultural era então muito restrita, ficando-se, praticamente por pequenos encontros de alguma gente mais informada aos fins da tarde, junto dos estabelecimentos do Borrajo e do Zé Pinto, alem de uns convívios do doutor Júlio Vilela com alguns dos seus admiradores, convívios que fazem parte da própria história da Régua, sempre a altas horas da noite, constituindo notas de amizade e de franca lealdade, que ainda hoje, gostosamente relembro. De referir que as conversas tocavam os assuntos mais diversos, com a exceção dos assuntos políticos, que isso não se coadunava com o espírito do regime que, na altura, vigorava.

Havia na época dois cafés nas imediações das oficinas dos Janeiros, ambos com uma frequência não muito intensa, onde os clientes mais velhos iam saborear o “cafezinho do costume”, e, os mais novos, iam jogar um pouco o bilhar e alongar-se em conversas singelas, embora disputadas, sobre o Benfica e o Sporting, que o Porto ainda não tinha atingido a maioridade desportiva. Também aqui, nos cafés, não se falava de política, nem sequer quando, em 1936, da guerra civil de Espanha.

Os meus olhos de hoje dão-me a leitura das coisas daquele tempo, tal como as senti, naturalmente.

Nas descrições que fiz, no entanto, cometi um lapso, que seria imperdoável, se não o confessasse: não referi que do cimo da rua da Alegria, já na rua dos Camilos, se avista, dominante, o nosso rio Douro, uma enorme corrente de água - quando das cheias, quase imensa - que sempre condicionou os nossos sentimentos. De um rio bravio e de que gostávamos, fizeram os homens um lago calmo, navegável, mas com uma faceta ou com outra,  um rio quase espiritual, mais se ainda se não esquecermos o valor da faina única dos seus “rabelos”, que noutro tempo garantiram a chegada do néctar duriense à cidade do Porto e à consequente exportação.

A fotografia não nos mostra o rio, mas nem um só reguense ignora o seu rio lindo, que lhes corre aos pés e que é a razão do nosso amor à região que ele, amorosamente, vai continuar a saudar por toda a eternidade.

Que saudades eu tenho daqueles tempos, dos amigos, das brincadeiras!

Era uma felicidade plena, que sempre se sobrepôs a todos os contratempos da vida!
- Abeilard Vilela, Janeiro de 2013

Clique  na imagem para ampliar. Sugestão do Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagens e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Janeiro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

terça-feira, 5 de junho de 2012

E por falar em comboios... Diligências de correio da Régua para Chaves

Fonte J A Almeida
Fonte J A Almeida
(Transcrição) - Primeiras viagens a Vidago - Início do séc. XX
Hoje, a partir de qualquer cidade do país, é possível chegar a Vidago fazendo uma viagem com rapidez e conforto, comparando com as condições de há anos atrás.

Desde 1874, data em que o Grande Hotel foi inaugurado, até 1910 em que o comboio chegou à estação de Vidago, as vias de transporte eram um verdadeiro calvário.

Em 1893, quem pretendia ir a Vidago, tinha que optar por um dos itinerários a partir de Guimarães, Mirandela ou Régua. A primeira era o terminal da linha da Trofa a Guimarães, ramal da linha do Porto a Valença. Quem quisesse ir por esta via, tinha que partir de Guimarães em carruagem pela estrada real nº 32, passando por Fafe e Arco de Baúlhe, podendo descansar no hotel dos Pachecos.

Este caminho a percorrer era de 93 Kms e, por isso, as pessoas preferiam dividi-lo em dois dias, ficando de noite no Arco de Baúlhe e seguindo no outro dia para Vidago. Esta viagem, com a noite incluída no Arco de Baúlhe, custava 18$000 réis.

Outra opção era a estação de Mirandela, que era o terminal da linha de Foz-Tua a Mirandela, ramal da linha do Douro (Porto a Barca de Alva). O trajecto de Mirandela a Vidago, também era feito em duas etapas, sendo feito, de carruagem, pela estrada que dessa localidade se dirigia para Chaves, via Valpaços, e depois de Chaves a Vidago. O primeiro percurso, com cerca de 50 Kms, era feito pelas carruagens que existiam em Mirandela, que demoravam umas boas 10 horas; e o segundo percurso, de Chaves a Vidago, com cerca de 18 Kms, era feito pela pitoresca Estrada Real nº 5, em pouco mais de uma hora.

A última opção, era a partir da estação da Régua, situada na linha do Douro (Porto a Barca de Alva) e distante de Vidago uns 70 Kms. As pessoas geralmente preferiam não fazer a viagem num só dia, ficavam a pernoitar na Régua ou em Vila Real. Aqueles que vinham do Sul do país, chegavam cansados à Régua, por isso, pernoitavam nesta cidade no hotel Aliança, mais conhecido pelo hotel do Gregório. Para os outros que pernoitavam em Vila Real, existia o hotel Tocaio e o hotel Aurora, ambos ofereciam mais conforto do que o da Régua.

O comboio que saía do Porto chegava à Régua ao meio dia, saindo às 16H00 para Vila Real, o que dava tempo para almoçar e recuperar forças. Até Vila Real o tempo de viagem era de 4 horas, o que obrigava as pessoas a ficar essa noite para retomar o percurso às 6h30 da manhã. A chegada a Vidago estava prevista entre o meio dia e as 13h00, conforme o descanso em Vila Pouca de Aguiar.
A diligência saía da Régua às 15h00 chegando a Vidago só por volta das 3 da manhã. Os preços de cada lugar, ida e volta, neste meio de transporte eram muito baratos: num lugar com almofada andava pelos 1$400 réis e dentro da carruagem os 1$600 réis.

Também havia, diariamente, duas diligências de correio da Régua para Chaves. A diligência saía da Régua às 15h00 chegando a Vidago só por volta das 3 da manhã. Os preços de cada lugar, ida e volta, neste meio de transporte eram muito baratos: num lugar com almofada andava pelos 1$400 réis e dentro da carruagem os 1$600 réis.

Destes três itinerários, o último era, o mais seguido, especialmente por aqueles vindo do Porto, Lisboa ou do centro do país. O primeiro e o segundo só favoreciam alguns vindo do norte ou da província da Galiza.

E eram assim as longas e memoráveis viagens, até ao Vidago, no início do séc. XX.

Um abraço e até breve...
- Publicada por Júlio às 16:46 de SÁBADO, 11 DE DEZEMBRO DE 2010 em "Meu Vidago".

Clique nas imagem para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2012. Só permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

ESQUINA DO TEMPO

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Quando, vindo dos lados do mar, o sol rompe o nevoeiro de fumo da cidade e aquece a frontaria da Empresa em que trabalho, o cego do acordeão arma a sua cadeirinha diante da Casa das Lotarias e senta-se. Chega, pesado de solidão, do bairro da Bainharia, morador de um casebre a desfazer-se sob o olhar de Vímara Peres.

Os acordes de um vira, que se canta e dança para os lados de Viana, furam o barulho dos autocarros e das motorizadas, os claxons apressados dos automóveis e as asneiradas dos transeuntes. Toca bem o ceguinho, tem a sensibilidade no dobro do que lhe falta. É um artista que me suaviza o aborrecimento da rotina, a angústia das lembranças dos que, longe, vão gastando os dias na saudade dos ausentes. Forma-se uma roda para o ver tocar e há sempre quem, esquecendo o pudor, baile ao som da sua música. Os gestos ondulados com o bater ritmado do pé esquerdo a acompanhar os movimentos do fole, o balançar da cabeça de olhos virados para o céu e o trincar da língua a ajudar na execução da melodia, apegam-me à vida. Do alto do meu quinto andar falo com ele e digo-lhe: «Toca ceguinho das minhas tardes de chatice, faz-me esquecer as tristezas e dá-me a mão para continuar a amar e a perdoar. Anda!, refina-me essa chula que me leva aos tempos dos bagos dourados, aos lanches de malvasia com broa, aos Contos Bárbaros de João de Araújo Correia lidos à sombra de uma figueira no quintal da casa onde nasci, ao monte de S. Leonardo com os ecos dos meus berros a esmagarem-se nas fragas que tutelam o Douro e o Torga sem os ouvir. Toca ceguinho, és um irmão nas minhas horas de contas, papeis e telefonemas de aflitos, ar condicionado avariado, as mãos e os óculos e a camisa e o corpo suados e o olhar cansado em cima da secretária. Sou teu (ou és meu?) cúmplice da necessidade de lutar para que o sol não se vá embora sem um sorriso de agradecimento, para que o marketing empresarial continue a falar de produto acrescentado, de lucros, de cash flow, de investimento produtivo para que as setas dos gráficos demonstrativos de resultados subam sempre todos os meses, todos os trimestres, todos os semestres, todos os anos até que a morte apareça e tudo desça para a terra. Não conheces as cores dos carros, nem os contornos das esquinas, nem quem te deita as esmolas no chapéu virado no chão, nem quem te ouve calado O mar enrola na areia que a minha voz de criança tantas vezes entoou, nem quem te espera sempre que o sol vem dos lados do mar. Tu não me vês, mas os meus ouvido estão sempre à espera do bater da tua bengala metalizada no empedrado da rua e da tua música que me lembra o Socorro, os Remédios, a solidão colegial. Quem és tu, afinal? Que condição te fez assim, tocador das tardes de sol de Inverno, entretainer da barafunda do quarteirão citadino com dólares nas montras do câmbio, pasteis requentados nos balcões das confeitarias, o cheiro a óleo queimado, escritórios de paciência, igrejas de preces vespertinas e lágrimas a deslizarem em rugas de sofrimento ou de remorsos, comboios partindo com cansaços sentados em carruagens de segunda. Quem és tu, meu amigo, que tenho (provavelmente) uma cama melhor que a tua, uns olhos para verem coisas lindas e feias (meu Deus!, quantas!), um ordenado que, mesmo esticado, dá para te agradecer, no chapéu cinzento, o prazer de ouvir o teu acordeão do folclore da minha Pátria? Quem és tu, se não um igual, feito de carne e de sangue, cérebro que idealiza futuros, alma que pranteia o passado, mãos que agarram a esperança? Espera por mim. Hoje, quando chegar a hora da minha saída, vamos os dois à beira mar, de braço dado, sentir o sol que aquece a esquina do nosso tempo. Tu tocarás e eu cantarei até que ele vá dormir para o outro lado da terra.»
- Texto de M. Nogueira Borges* extraído da publicação "Lagar da Memória".

  • *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor nascido no Douro - Peso da Régua. Pode ler também os textos deste autor no blog ForEver PEMBA.
  • Outros textos de Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Boas novas - Linha do Douro: CP retoma viagens históricas a 30 de Junho

Por Agência Lusa, publicado em 5 Jun 2012 - 09:25 - (transcrição) - A CP retoma a 30 de junho as viagens de comboio histórico na linha do Douro, depois de, no ano passado, ter ameaçado com o fim do serviço por falta de parceiros para o financiamento do projeto.

Entre junho a outubro, a velha locomotiva a vapor vai percorrer os 46 quilómetros que separam o Peso da Régua do Tua (concelho de Carrazeda de Ansiães), numa viagem que tem como paisagem predominante o rio Douro, as vinhas que são Património Mundial da UNESCO e que atrai centenas de turistas a este território.

Fonte da CP disse hoje à Agência Lusa que, em setembro, se realizam também viagens ao domingo de manhã, uma das novidades divulgadas para esta época.

Também pela primeira vez, a CP criou este ano quatro pacotes que incluem a viagem no comboio histórico e as viagens de ida e volta de qualquer ponto do país até à Régua em oferta regular nos serviços Alfa Pendular (em classe Turística), Intercidades (em 2ª classe) ou InterRegional e Regional.

Os preços variam entre os 50 euros para adultos que se desloquem a partir de estações a norte de Coimbra, até aos 80 euros para quem decida efetuar a viagem desde Faro e regresso.

Em todos os percursos, as crianças até aos 12 anos pagam meio bilhete.

No caso de grupos numerosos existe ainda a possibilidade de realização de comboios especiais, mediante condições a acordar com a empresa.

No final da época 2011, a CP ameaçou com o fim do comboio histórico no Douro caso não encontrasse parceiros para ajudar a financiar o serviço. Apesar disso, este ano, resolveu prosseguir com as viagens históricas na Linha do Douro.

Em 2011, os custos superaram os 150.000 euros e a receita registou pouco mais de 90.000 euros.

No ano passado, viajaram no comboio 2.270 pessoas, o que representou uma média de 206 passageiros por viagem (a capacidade total é de 250). Em 2010, viajaram 1.639 clientes, com uma média de 149 por comboio.

A procedência dos clientes nacionais é dominada por Lisboa e pelo Porto e os estrangeiros têm como origens principais Inglaterra, França e Espanha.

O leque de idades situa-se entre os 26 e os 65 anos, com uma distribuição percentual quase equitativa nas várias faixas etárias.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Imprensa do Brasil - Sabor de vinho do Porto no curso do Douro

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Do Jornal "O Estado de São Paulo" - Brasil:

A mais antiga região vinícola do mundo, criada pelo Marquês de Pombal em 1756, revela-se perfeita para apreciar os prazeres mais simples: beber, comer e dormir bem

05 de abril de 2011 | 8h 00 - Nathalia Molina, PESO DA RÉGUA


Sobe, desce, o rio. Desenhos como tranças a repartir as montanhas, sobre o rio. Caminhos sinuosos, num esconde-esconde com o rio. Vilas, à beira do rio, mirantes, do alto do rio. O Douro corre a nos acompanhar, como se guiasse ele mesmo o carro entre os vinhedos.
Percorrer a mais antiga região vinícola demarcada do mundo é se deixar levar pela água. E pelo vinho. Beber bem, comer bem, dormir bem. Seguir o curso natural, seduzido pelo rubi da taça e pelo verde ao redor. "Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso de natureza", como descreveu o escritor Miguel Torga (1907-1995), em seu Diário XII, em trecho reproduzido num painel de azulejos no Miradouro de São Leonardo da Galafura, perto de Peso da Régua, no Vale do Douro.
O solo de xisto, as assimetrias das encostas e o trabalho do homem desenharam o Alto Douro Vinhateiro, declarado Patrimônio Mundial pela Unesco em 2001. A antiga região vinícola demarcada foi instituída por Marquês de Pombal, em 1756. Dali sai o vinho do Porto, licoroso conhecido mundialmente - não vá embora sem o seu exemplar.
De Mesão Frio (distante 85 quilômetros do Porto) a Freixo de Espada-à-Cinta (a 180 quilômetros da mesma cidade), o Vale do Douro se divide em três sub-regiões. Área verde de grande produtividade, o Baixo Corgo inclui Mesão Frio e Peso da Régua.
Cenários. Seguindo o rio rumo ao leste, a paisagem ganha tons de pedra no Cima Corgo, que se estende de Pinhão a São João da Pesqueira. De lá a Freixo de Espada-à-Cinta, fica o Douro Superior, onde há menos produtores e os vinhedos convivem com oliveiras e amendoeiras.
As principais quintas estão na área entre as cidades de Mesão Frio e Pinhão, passando por Peso da Régua, onde está localizada a sede da Associação de Aderentes da Rota do Vinho do Porto. Criada em 1998 para desenvolver o roteiro lançado dois anos antes, reúne atualmente 78 participantes ligados à cultura do vinho, entre produtores, restaurantes, hotéis e empresas de turismo.
Por ali, você encontra lugares convidativos como a Casa Torres de Oliveira, em Mesão Frio, que oferecem aos visitantes tanto a prova de vinhos quanto a acomodação. Na associação, é possível marcar visitas a caves e vinhedos e agendar a participação nos eventos mais tradicionais: a colheita (vindima) e a pisa da uva (lagarada). E ainda pode reservar serviços de hospedagem, alimentação e transporte.
Passeio no tempo. Peso da Régua, como você vai perceber, é uma espécie de capital da região. Destacou-se na produção e no comércio do vinho do Porto desde que o Marquês de Pombal fundou ali a Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro.
Em pipas, a bebida era levada pelo curso do Douro até chegar à Vila Nova de Gaia, que concentra as caves dos produtores, na margem oposta do rio em relação à cidade do Porto. O meio de transporte eram os barcos rabelos, inspiração para o docinho de mesmo nome, encontrado em Peso da Régua. Feito com farinha de arroz, amido de milho, ovos, açúcar, canela, amêndoa e vinho do Porto, tem a forma das antigas embarcações. E o melhor de tudo: é uma delícia.
Hoje turistas podem navegar pelo Douro em cruzeiros a partir da cidade do Porto ou em trechos menores entre Peso da Régua e Pinhão, por exemplo. Empresas como a Douro Azul e a Barcadouro trabalham com esses passeios.
Quem, ao invés de usar um carro alugado, preferir explorar o país de transporte público, pode sair da cidade do Porto de trem. No caminho até Douro, há paradas em Régua, Pinhão, Tua e Pocinho. Na estação de Pinhão, repare nos painéis de azulejos, decorados com cenas do processo produtivo do vinho e paisagens dos arredores.
Durante a vindima, que ocorre nos fins de semana de setembro, a Comboios de Portugal oferece programa especial de um dia, incluindo visita a uma quinta e participação na pisa da uva. De 23 de julho a 1.º de outubro, um trajeto da empresa pelo Douro chama atenção: uma locomotiva a vapor, do início do século 20, leva os passageiros em vagões de madeira de Régua ao Tua. Sobre trilhos, montanhas, vinhedos, o contorno do rio.

Saiba mais
Passagem: O trecho São Paulo-Lisboa-São Paulo custa desde 640,66 na Iberia; R$ 1.590,7 (cerca de 688,50) na KLM; 725,43 na British; 886,50 na TAM em voo direto; 898 na TAP, também em voo direto e 920,45 na Lufthansa .
Pedágio: Há cobrança nas estradas administradas por concessionárias. Ao entrar na rodovia, retire o bilhete eletrônico na cabine automática. O pagamento é feito na saída, de acordo com o trecho
Trajeto: Antes de defini-lo, vale consultar o site. Clique em ‘Mapas’ e depois em ‘Calcular itinerário’.
Aluguel de carro: Uma semana em Lisboa custa a partir de 163,46 na Avis e 220,88 na Hertz.

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