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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A catástrofe das Caldas do Moledo

Encontra-se publicado no Diário do Governo, em portaria de 12 de Março de 1904, o seguinte louvor: “SUA MAGESTADE El-Rei, a quem foram presentes as informações do governador Civil de Villa Real acerca do philantropico procedimento da Câmara Municipal do concelho do Peso da Regoa e dos humanitários e importantes serviços prestados pelos BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS da mesma villa por ocasião da catastrophe que em 10 de Fevereiro se deu na povoação do Moledo: há por bem determinar que seu REAL NOME, sejam conferidos pelo dito magistrado às mencionadas Câmara Municipal e CORPORAÇÃO DE BOMBEIROS os merecidos louvores”-Paço, em 10 de Março de 1904 -Ernesto Rodopho Hintze Ribeiro”.

Em 1904, o Rei D. Carlos concedia este louvor aos bombeiros da Régua como reconhecimento dos seus importantes serviços humanitários, prestados na missão de socorro, realizada no dia 10 de Fevereiro de 1904, nas Caldas do Moledo, numa catástrofe natural, que causou a morte a pelo menos 24 pessoas, que estavam alojadas numa casa da Quinta das Caldas, pertencente à família da D. Antónia Adelaide Ferreira, a Ferreirinha.

Esta catástrofe deu-se com o rebentamento de um tanque de recolha de água, situado em plena encosta, que tinha como finalidade recolher as águas que corriam pela vinha da quinta, donde se escoavam pelo vale até ao rio Douro. Nesse inverno de 1904, em Caldas do Moledo, as chuvas tinham sido abundantes e o tanque não resistiu à força das águas e desmoronou-se com as terras que o envolviam. As águas irromperam pela encosta a baixo, destruindo e arrastando o que encontravam pela frente. Arrancam, na sua passagem, os carris do caminho-de-ferro da linha do douro e destroem a casa construída na berma da estrada nacional. As pessoas que nela se abrigavam foram arrastadas com os destroços para o rio e, apesar das buscas, os seus corpos não foram nunca encontrados. Apenas se salvou uma criança – António Cardoso - devido à “mão de Deus” e à coragem do senhor Delfim de Sousa Mesquita.

Os bombeiros da Régua quando chegaram ao local, pouco tempo depois do sucedido, encontraram uma casa reduzida aos seus alicerces, completamente desfeita num amontoado de lamas e pedras. O seu auxílio foi remover terras e terras, nessa noite e nos dias seguintes, para recuperarem os corpos das pessoas. Nenhum foi sequer encontrado no meio dos destroços.

Na sua monografia sobre a história da Régua, Afonso Soares fez uma breve referência a esta tragédia das Caldas do Moledo. Assinalou-a como uma das mais graves em corpo de bombeiros que, ele era seu comandante (1893-1927), tinha socorrido. Não escreveu nenhum relato do que viu e assistiu, apenas se limitou a transcrever a acta da sessão da Câmara Municipal de 11 de Fevereiro de 1904, onde consta que vereação se preocupou com o desenrolar do acontecimento que enlutava a Régua e aproveitava para distinguir com a aprovação de um louvor a população reguense, os bombeiros e o Sr. Delfim de Sousa de Mesquita pelo “socorro às vitimas de tamanha calamidade”.

Passado mais de um século, a tragédia das Caldas do Moledo encontra-se caída no esquecimento e apagada na memória das actuais gerações. Naquele vale do Tinoco, a vida continuou o seu ciclo, tudo se foi reconstruindo com esperança no futuro: edificaram a casa desaparecida e o tanque no mesmo lugar – é verdade - a linha de água mantém o seu curso normal, retomou-se o cultivo da vinha e a produção de bons vinhos na quinta, as velhas termas edificadas no parque de plátanos, afamadas pelo clima ameno e seco e a curas das suas águas sulfúreas, adquiriam maior movimento com a abertura do hotel, erguido pelo génio da Ferreirinha.

O tempo fez voltar tudo à normalidade, mas até hoje ninguém se lembrou de, nesse lugar das Caldas do Moledo, gravar numa parede uma simples placa a evocar as vítimas que perderam a vida nessa tragédia.

Apenas a literatura de cordel a fez lembrar a sua fatalidade cantada numa poesia que o povo conhecia pelo “Grande desastre acontecido nas Caldas do Moledo”, de Agostinho da Silva Pereira. Numa linguagem comum e com um sentimento religioso foi lembrada assim:

“Foi nas Caldas do Moledo/Aquele depósito arrebentou/Ali tudo se arrazou/ Causa pena mete medo/Ali tiveram o seu enterro/Vejam o poder do Senhor/ Que ali ficaram sepultados/Causa pena mete terror/(…) Só naquele próprio menino/Num berço a dormir foi encontrado/Sobre aquele rio tão valente/ Por os barqueiros foi apanhado/Foi um milagre que Deus mostrou nele devemos pensar/ Esta grande calamidade/Que se vai vendo na nossa nação/Sem ninguém isto esperar/Aquele depósito arrebentou/Dos que andavam a trabalhar/ A vida lhe acabou”.

Uns anos mais tarde, Afonso Soares, velho comandante dos bombeiros já no Quadro de Honra, recordou no jornal “A Região Duriense”, num texto intitulado o “Desastre das Caldas do Moledo”. Como o seu texto não é conhecido pelos entendidos na gestão dos território e pelos agentes da protecção civil, faz-se de imediato a sua transcrição:

“Na noite de 10 de Fevereiro de 1904 uma pavorosa catástrofe enlutava o concelho do Peso da Régua. O rio Douro tinha subido muito e a chuva continuava caindo dia e noite. Na quinta das Caldas do Moledo, pertencente à falecida Sr.ª D. Antónia Adelaide Ferreira, havia acima da linha férrea que atravessava a quinta, um grande tanque construído na divisória dos dois concelhos - Régua e Mesão - Frio. Essa divisão fazia-se e faz-se no vale do Tinoco que na estrada que vai para o Porto tem o marco da divisão concelhia.

Do lado esquerdo desse vale havia uma casa de arrumações pertencente à quinta, com frente para a estrada. Do lado oposto duas moradas de casas que recebiam hóspedes. Nesta casa tinham sido recebidos 24 hóspedes, vindo de fora que ali pernoitavam, fugindo à tempestade.

Naquele pequeno vale a que nos referimos, corria, de vez em quando, água vinda das encostas da montanha. O leito do regato comunicava na altura do tanque com ele e depois de cheio restabelecia-se a saída pelo vale. O tanque estava cheio há muito tempo pois que a chuva fora persistente. Às nove horas e meia daquela noite um enorme estampido sobressalta toda a povoação das Caldas do Moledo.

A parede da frente do depósito tinha cedido e aquela avalanche de água ali represa, salta por ali fora, desenfreada, e apesar de encontrar na sua frente uma baixa grande fechada pela linha férrea, que passava em frente, desfaz o talude do caminho de ferro, arranca rails que retorce e leva diante de si, e cai sobre a casa da quinta, cortando-a ao meio, destruindo a parte mais próxima do vale e precipita-se depois sobre as duas casas fronteiras que apara, como se fosse uma navalha de barba, deixando-lhes apenas os alicerces. Precipita casas com tudo o que tinham na corrente do rio que tudo engoliu, incluindo a vida de 24 pessoas que ali se tinham recolhido e cuja identidade nunca se averiguou, pelo desaparecimento dos cadáveres.

Foi esta tragédia que naquela terrível noite se desenvolveu na povoação das Caldas do Moledo. Chamados os socorros para esta vila, daqui partiu muita gente a prestar os seus serviços numa noite tempestuosa que tornava o trânsito impossível pela estrada. Não faltaram nem podiam faltar a esta chamada os nossos bombeiros que, sem hesitação, para aquela povoação partiram imediatamente”.

A notícia escrita por Afonso Soares, apesar do tempo passado, não podia estar mais actual. Assim, a catástrofe das Caldas do Moledo pode e deve, nos nossos dias, ser entendida como uma boa lição para valorizar mais as matérias de protecção da natureza que, violentadas por incúria e negligência humana, causam quase sempre problemas de segurança e protecção civil às populações.

As condições naturais da paisagem duriense associadas a alterações provocadas pelo homem – como a surgida nas Caldas do Moledo - podem aceleram ou desencadear catástrofes naturais. Só se evitam os infortúnios se houver mais rigor e cuidado nos licenciamentos de obras e construções que se fazem nas encostas do Douro. É importante conhecer a orografia da região duriense e a constituição geológica dos seus solos.
(Clique nesta e nas imagens acima para ampliar)

Em tempos de invernos chuvosos são flagrantes as possibilidades de repetirem, com maior violência, estes fenómenos chamados de “movimentos de vertente”, os perigosos deslizamentos de terras, destruidores de tudo em sua volta e causadores da morte de muitas pessoas, sempre indefesas nestas tragédias.
- Peso da Régua, Fevereiro de 2010, J. A. Almeida.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

CALDAS DO MOLEDO - O nosso único parque

Simples homenagem ao estimado Amigo Dr. José Alfredo Almeida e ao recanto onde nasceu e que tanto o inspira em suas "prosas" neste blogue, as CALDAS DO MOLEDO.

O vício de ler também obriga a sofrer. Quem lê jornais e revistas fica apavorado com a perspectiva de morrermos todos se continuarmos a poluir o ar, a água e a terra. Automóveis, fogões de gás, fumos de fábrica, poluem o ar. Insecticidas e outros venenos poluem a terra e, por sua vez, todas as águas. Não haverá, dentro de poucos anos, se continuarmos a envenenar o mundo, lugar em que se viva. A Terra, como a Lua, girará pasmada, na sua órbita, como cão morto que quisesse morder o rabo. Imagine-se a tristeza dos anjos e dos bem-aventurados quando a virem passar tão morta como louca. À poluição do ar poderíamos opor, como contra-veneno, o oxigénio proveniente da vegetação. Mas, em vez de semelhante medida, recorremos a outra, que é uma rica vasilha com o fundo virado para cima. Com herbicidas, machado e serrote, destruímos a vegetação. Destruímos as fontes de oxigénio. Não nos passa pela cabeça oca a impossibilidade de vivermos sem ele. Pensamos até que não existe, porque ninguém o palpa. É, porventura, uma quimera de sábios.

Se assim é o homem do povo, se assim é o lavrador, e até o homem medíocre, dotado de instrução elementar, não deve ser assim o homem que governa. Esse, por amor ao oxigénio, bênção de que não duvida, respeitará a árvore onde quer que exista. Se lhe faltar a sensibilidade precisa para se comover diante de uma árvore, suplique-a a Nosso Senhor nas suas orações.

Desapareça o tempo em que os governantes, nas cidades e vilas portuguesas, fizeram de cada árvore uma ré condenada ao patíbulo sem defesa. A olhos de poeta, não há canto de Portugal que não chore, como viúvo, a árvore que o embelezou.

Pelo que toca à nossa terra, são horas de nos iniciarmos no respeito devido a cada árvore - fonte de vida e de beleza. São horas, mais do que horas, de plantarmos o nosso parque, fazermos da nossa zona verde, pura ficção, uma realidade.

Enquanto não houver parque municipal, gozemos e amemos o do Moledo, que também é nosso como principal adorno das nossas ricas termas. Não se diga, por vergonha nossa, que não temos árvore capaz de abençoar e amparar o viajante cansado.
O parque do Moledo é o nosso único parque. Ame-se e defenda-se, enquanto não tivermos outro e depois de termos outro. Quanto mais arvoredo, mais beleza e mais saúde...

- João de Araújo Correia - Agosto de 1970
In “Pátria Pequena”, editado pela Imprensa do Douro (1977)
Do Blogue "Malomil" - Grande Hotel das Caldas do Moledo
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Clique  nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

As Caldas do Moledo da nossa nostalgia...

(Clique na imagem para ampliar)

As águas das Termas das Caldas do Moledo são conhecidas desde há muito tempo. A elas se refere o celebre médico do reino, nascido em Mirandela, Dr. Francisco da Fonseca Henriques, no seu famoso livrinho "Aquilégio Medicinal", Lisboa Occidental, 1726, pág.24, onde nos garante que "no concelho de Penaguião, (...) ha umas Caldas suphureas, que curão os achaques frios de nervos, debilidades de juntas, vertigens, convulsões, e finalmente todos os os mais achaques...".

Pode assim dizer-se que a quantidade de banhistas oriundas de todos os pontos do país procuravam as Termas de Caldas do Moledo, "a fim de tratarem dos seus padecimentos", o que está retratado neste velho postal como uma simpática recepção a banhistas, e nos faz recuar aos seus momentos áureos, talvez a inicios do século XX, ainda durante a monarquia.

A vida social nas Termas das Caldas do Moledo era muito intensa no período balnear, "comboios especiais saiam da Régua às 9 horas, parando em todas as confluências de caminhos, exclusivamente para transporte de aquistas a desembarcar no cais privativo sobre o Palacte. Daí o comboio regressava à estação das Caldas do Moledo donde pelas 11.30 horas voltava ao cais para recolha e recondução dos mesmos passageiros". Um casino mandado pela Ferreirinha, vários hotéis - O Grande Hotel, O Hotel Vilhena e o Peti Hotel - "muitas casas para aquistas", três capelas particulares, uma farmácia, um talho, uma casa de artigos fotográficos, várias sapatarias, alfaiates, funileiros, relojoeiro, barbeiros, mercearias e estabelecimento de fazendas brancas, estação de telégrafo postal, estação dos caminhos de ferro, mercado diário na época balnear, aguardavam os aquistas para os servir e lhes proporcionar uma agradável estadia num lugar servido por uma paisagem fantástica e um clima ameno.
- Colaboração de J. A. Almeida para "Escritos do Douro" em Dezembro de 2010.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Verdades Absolutas

Nasci nas Caldas do Moledo, mesmo perto do bonito parque termal. Parte da minha infância ficou aqui neste lugar mágico, a testemunhar os primeiros passos que aprendi a dar nos caminhos da minha existência.

Ali revejo alguns dos tempos mais felizes passados nos jardins do parque termal e nas margens de  rio que o ladeiam. Eram o tempos em que frequentei a escola primária que existiu improvisada numa casa pobre e de uma  professora  exigente e de mau génio, a  D. Esmeralda, que, com rosto bonito ainda vejo ainda distingo, no meio de uma sala e de quadro negro, onde gostava de nos ver fazer exercícios de contas e das regras gramaticais do português e, se algum, não se sabia comportar usava com rigor e força, uma régua de madeira para bater nas mãos.
Ali estão velhas lembrança de bons, luminosos dias que passei entretido em inocentes jogos da bola e do pião e, no fim das aulas, na caça aos pardais pelo meio dos arvoredos e dos laranjais da Quinta das Caldas, com uma  fisga, construída de um pedaço de madeira e elásticos, e as corridas dos carros feitos em madeira, com pequenas rodas, que deslizam em alta velocidade pelos passeios, junto ao imponente belo Palacete e a um grande hotel que estava em estado de ruínas, mas outrora tinha sido frequentado por gente famosa em busca de cura e milagres em  águas termais.

No tempo de calor, no quente verão, eram os banhos e os mergulhos nas águas frescas do rio, sempre a fugir da vigilância apertada dos meus pais, as cerejas colhidas na primavera, as primeiras uvas maduras, o doce moscatel e a malvasia fina, que o meu avô Álvaro, trabalhador incansável e dedicado nas coisas da natureza, colhia em pequena vinha cultivada na Penajóia, que fica no outro lado da margem do rio, mesmo em frente às Caldas do Moledo. Ainda o recordo, a atravessar o rio num seu pequeno barco, como se o rio não tivesse segredos para ele e fosse o seu mundo de evasão.

Não esqueço as tardes de ócio que passava na pesca, através de peixes grandes como barbos, escalos e  os  robalos, apanhados com indisfarçável prazer de pescador em aprendizagem com as canas modestas. Não esqueço também os grandes e longos dias, em que no meu quintal, nas traseiras da casa, à sombra de uma bungavilia, enquanto os melros se entretinham numa grande figueira, me dedicava à leitura de livros maravilhosos que nunca esqueci e chegavam numa carrinha cinzenta com o símbolo da Gulbenkian, onde os ia requesitar. Foi nesses livros que conheci os primeiros heróis da minha vida: Com os livros de Julio Verne não me cansei de viajar  por mundos desconhecidos, longínquos, quase até a Lua, alargando novos mundos além dos meus pequenos sonhos confinados a um espaço de terra, onde cresciam flores e  havia animais à solta, como uma gata alourada, que partilhavam esta rara felicidade de vida ao sol.

Ali começou  – e depois acabou – o meu primeiro amor, mas já não tenho nenhuma certeza se  foi assim desta maneira tão simples. A verdade, é que tudo começou num instante que ficou para sempre, mesmo sabendo que um dia nossas vidas iriam ter um rumo diferente nos caminhos do destino. Ali recomeçou um namoro de juras para toda vida e uma palavra escrita em pedaços de papel usado: “AMO-TE”. Não te deveria confessar mas ainda guardo nos meus arquivos pessoais e mais íntimos esse inesquecível documento com a uma assinatura, sim a tua, com a inicial do teu nome manuscrito, como se fosse a unica prova material  que me resta desse nosso amor. Se tem algum valor para a vida não te posso dizer porque aquilo que é real,  muitas vezes, torna-se irreal.

Regresso às minhas Caldas do Moledo, ao reduto do parque termal, mais uma vez, para procurar esse meu tempo de amor (in)finito. Aquele que só existe na nossa memória. Sei que te encontrarei sentada à minha espera num banco, entre os frondosos plátanos, sossegada na leitura de um romance que te ofereci sobre a vida da  generosa e apaixonada mulher do Douro, a Ferreirinha – penso que se intitula a “Fúria das Vinhas” -  com um olhar atento no passar silencioso das águas serenas do rio Douro. Ainda te lembras? Talvez não, o tempo deve ter apagado em ti este breve e único momento. Que não se repete no universo. Só que em mim, ele permanece como se hoje fosse e é  mais uma prova verdadeira para dizer que exististes em determinado momento da minha vida. O resto, já nem interessa para a história daquilo que ficou por fazer e de dizer para sempre, por não haver tempo.

Tenho saudades desse tempo e de te olhar nos olhos até de madrugada. Aquelas que o sol, sai do meio das montanhas retalhadas em vinhedos e ilumina de claridade a paisagem e o passado. Tenho saudades tuas. Não te minto e não escondo. É mais um prova, a de que nunca esqueci que amei.

As Caldas do Moledo são o meu principio. As origens do meu universo como ser humano. Encontram-se neste lugar todos os meus tempos de criança feliz, de adolescente sonhador e de homem que aprendeu uma coisa simples da vida, que tendemos a querer esquecer: mais tarde, ou mais cedo, volta-se sempre ao lugar onde se nasceu.
Eu nasci nas Caldas do Moledo, onde passa o meu rio que me leva à tua foz e me faz regressar a este lugar  intemporal e ao que ainda resta de ti, como se tu mesma fosses a minha última verdade absoluta.
- José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Dezembro de 2010. Clique nas imagens para ampliar.
  • *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua de onde é natural e de figuras marcantes do Douro.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Um incêndio nas Caldas do Moledo


Por António Guedes Castelo Branco, Antigo Chefe dos Bombeiros da Régua

Certa vez - há mais de meio século - a nossa Corporação foi chamada para debelar um incêndio nas Caldas do Moledo, numa casa pertencente a Basílio Rodrigues Osório, trunfo político e regedor “vitalício”, o qual dava cartas em todas as redondezas. Nessa casa tinha instalada uma pequena loja de negócio, cuja clientela ele próprio atendia.

Era uma série de casas “gémeas” que ali havia, construídas até à altura da padieira com pedra miúda e barro e as paredes do primeiro andar constituídas por taipas, com as madeiras muito ressequidas pelas intempéries e pelo correr dos anos e que eram verdadeiros ramos de carqueja que o incêndio “lamberia” num momento, se não tivéssemos travado a tempo a vertiginosa e assustadora corrida.

Sob as ordens do 1º Comandante Camilo Guedes montou-se o serviço num prazo de tempo record, ficando nós com a certeza absoluta – adquirida logo após os primeiros jactos de três agulhetas – de que liquidaríamos rapidamente esse pequeno “biscate”.

Mas enganámo-nos redondamente.

Tendo-se esgotado a água que abastecia as bombas, proveniente de uma taça que existia – e creio que ainda existe – no jardinzinho situado em frente do edifício do Casino, tivemos de ir buscá-la para lá dos Quartéis Amarelos, a uma propriedade pertencente à Casa Ferreirinha.

Perdeu-se assim algum tempo, mas valeu a pena, pois daí em diante tivemos água em abundância, com a qual dominámos o incêndio que, devido a este contratempo, chegou a atingir proporções espectaculares e preocupantes.

Ora, quando chegamos ao Moledo já o incêndio se havia propagado à casa do tenente Francisco Nogueira, na qual funcionava uma pequena fábrica de doce, principalmente de pão- de-ló, que tinha uma vasta clientela e rendia largos lucros.

A certa altura, o nosso Comandante, sempre velando pela segurança dos seus homens, verificou que o taipal da frente se encontrava perigosamente desaprumado, dando inequívocos sinais de uma próxima derrocada e, por toques de apito - como se usava então -, deu ordem para se abandonar imediatamente o serviço. Todos nós o fizemos com ordem, com disciplina, sem atrapalhações, e procurámos lugares abrigados ou afastados.

Todos nós o fizemos. Mas houve um bombeiro, o corneteiro Agostinho “Rouxinol”, que, parado no meio da estrada, voltado de costas para o Comandante e com a corneta debaixo do braço, se moveu, não prestando atenção às ordens transmitidas pelo Comando. Estava completamente abstracto, absolutamente alheio.

Então Camilo Guedes enerva-se, dá uma breve corrida e prega um violento empurrão ao “Rouxinol”, obrigando-o a mudar de poleiro.

E dá-se a derrocada neste momento, indo o taipal, com as suas duas janelas, cair a prumo, e de cutelo, precisamente no lugar em que o “Rouxinol” tinha permanecido, tendo, ao tombar sobre o lado direito, sepultado, sob uma montanha de destroços incandescentes, o nosso velho e abnegado Comandante.

Angustiados, todos nós corremos, como loucos, para o local do desastre, tirando o Comandante da crítica situação em que se encontrava e levando-o em braços para a farmácia de Napoleão de Pinho Valente, republicano ferrenho que, por duas vezes, havia sido eleito vereador municipal.

Este tratou o ferido com todo o cuidado e desvelo, principalmente a brecha que apresentava na cabeça.

Sintetizado:
O Comandante salvou a vida ao “Rouxinol”, que não voltaria a dar, nas lindas madrugadas de Abril, os seus alegres e melodiosos trinados e gorjeios, e, por sua vez, o capacete salvou a vida ao Comandante.

E quando, chegados ao quartel, comentávamos o assunto, dizia-nos Camilo Guedes, com a cabeça empanada e a rabeta do charuto ao canto da boca: “Para se salvar uma criatura da morte certa, todos temos a obrigação de sacrificar seja o que for, mesmo que sejamos nós próprios”.

Ora, este critério está absolutamente de acordo com o exposto na poesia “O Bombeiro”, que o Comandante Camilo Guedes escreveu, há muitos anos, e que foi declamado por Gabriel Gouveia numa récita de gala em benefício da Corporação e que o Arrais publicará oportunamente.

Nessa récita, como não podia deixar de ser, também tomou parte o autor destas linhas.

Sou o remanescente desse denodado grupo de bairristas.

Belos tempos!
- Peso da Régua, Outubro de 2010. Colaboração de J A Almeida para Escritos do Douro 2010. Actualizado em 14 de Novembro de 2013.
 
Notas:
  1. - Este artigo encontra-se publicado no Jornal “ O Arrais”, na sua edição de 5 de Setembro de 1980.
  2. - Na fotografia cedida por uma sua neta, o seu autor aparece fardado de 2º Comandante dos Bombeiros da Régua, ao lado do 1º Comandante Lourenço de Almeida Medeiros, que cessou essas suas funções em 1959.
  3. - O Chefe António Guedes Castelo Branco, como gostava de ser conhecido, era filho de um bombeiro, o Comandante Camilo Guedes Castelo Branco e faleceu na Régua nos finais da década de 80, estando o seu corpo sepultado no cemitério municipal. 
Jornal "O Arrais", Sexta-Feira, 05 de Novembro de 2010
Arquivo dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua
Um incêndio nas Caldas do Moledo
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
Um incêndio nas Caldas do Moledo
Clique  nas imagens para ampliar. Imagem e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida (JASA) e editados para este blogue. Edição e atualização de texto e imagem de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

    terça-feira, 4 de janeiro de 2011

    As Caldas do Moledo: Um lugar cheio de sentimentos

    Regresso sempre às minhas origens, á minha terra, às Caldas do Moledo, quando tenho necessidade de me reencontrar com a minha vida.

    Para lá chegar, conheço bem caminhos no mapa dos meus afectos e sentimentos mais íntimos.
    Apetece-me voltar, algumas vezes, para respirar aquele ar puro e me encher da paz e serenidade que só aquela paisagem única, povoada de segredos e mistérios, me consegue dar.
    Sempre que ali regresso procuro alguém que nunca dali conseguiu sair, o poeta nascido nas Caldas do Moledo, Antão de Morais Gomes que atingiu a Eternidade, o outro mundo, a escrever um pequeno livro de sonetos, esquecido no passar do tempo, a que chamou de "Antão era pastor..." como se procurasse uma parte de mim, que ali ficou na minha infância.

    Desta última vez, encontrei-me no meio de rio Douro antigo, um rio que só existe nos mergulhos da minha infância e das aventuras de rapazes que no inicio do verão tinham por hábito colher as primeiras cerejas da Penajóia, aproveitando as ausências e a falta de vigilância dos seus donos.

    Coisas de rapazes, mal feitas mas que não chegaram a causar danos e prejuízos maiores a ninguém. Desse tempo, aprendi mais uma verdade simples que registei no meu caderno de apontamentos : "se alguma coisa aprendi com o tempo, foi a respeitar e cuidar de quem mais gosto, mesmo que às vezes me pareça insuficiente".

    Para mim, cada regresso que faço às Caldas do Moledo, é como voltar a  um lugar onde  fui  feliz.
    Para mim, o meu Moledo não é só um lugar, são todos os sentimentos que ali aprendi e nunca esqueci.
    - José Alfredo Almeida, Peso da Régua, Janeiro de 2011. Clique nas imagens para ampliar.

    terça-feira, 1 de julho de 2008

    Antão de Moraes Gomes - O poeta nas mãos de Deus.

    (Clique na imagem para ampliar. Imagem original daqui.)
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    Por José Alfredo Almeida
    .
    Deve ter acabado de chover nesta terra adormecida na borda d’água deste rio de mau navegar. Da terra molhada levantam-se aromas de vida e dos plátanos majestosos caiem gotas cristalinas que me entram pelos olhos adentro. É tempo de espreguiçar a alma... Assim falou o misterioso viajante, segundos antes de adormecer no único banco do Moledo aonde o Sol da tarde ainda conseguia chegar.
    Como ali tinha ido parar, ou porquê, não se sabe muito bem, mas isso era algo que o não importava... pensou, imediatamente antes de ouvir o sussurro das águas apressadas que o transportavam ao barulhento e majestoso Salão de Festas do Hotel Gomes.
    Entre o Grande Hotel das Termas, a Estalagem do Almeida, o Petit-Hotel e o famoso Vilhena, passeavam os sapatinhos balneares das senhoras aquistas, protegidas pelas sombrinhas à brasileira, ora pela manhã, ora ao fim da tarde de regresso dos sulfurosos banhos. Ansiosas pela reconfortante refeição, com serviço de mesa recomendado com credenciais da monarquia, e à espera do “corte-e-costura” de língua que lhes animavam as noites de rescaldo duriense, enquanto os seus extremosos maridos se deleitavam nos prazeres de jogos, proibidos ou não, entre fumaças de charuto que condimentavam cálices de vinho fino.
    E eis que outra vez a fachada do Hotel Gomes regressa ao espelho subconsciente do misterioso viajante para lhe trazer um sorriso balzaquiano capaz de atazanar as mais sossegadas almas.
    Enigmaticamente por entre eminentes juristas em fim de carreira e bonacheirões comerciantes, deambulava o nosso viajante em busca de um lugar onde pudesse escrever um tranquilo postal. E, descobriu bem perto um harmonioso jardim de hortênsias floridas e esplendorosa begónias, sobranceiro ao rio. Faltava um tinteiro que um criado de invejável delicadeza rapidamente pousou a seu lado.
    Finalmente escreveu: “Caldas do Moledo, 28 de Julho de 1925- Minha muito querida. Cheguei ontem à noite e apesar do isolamento e da falta do bulício é um encanto onde se passa dias admiráveis. O vale enorme que tem por sopé o Rio Douro, constituído por uma escadaria de parreiras e enorme vegetação. Não calculas querida amiga que ao admirar estas belezas só tenho em pensamento o não poder transformar em realidade o sonho que há tantos anos me traz absorvido”.
    Era aqui a pouco menos de uma légua da então importante vila da Régua, viviam-se contrastes que oscilavam entre o borbulhar da natureza e os trompetes da noite e que tudo transformava em poesia.
    É neste ambiente, encaixilhado num recanto do Douro – as Caldas do Moledo – que às oito horas da tarde do dia 15 do mês de Março do ano de 1902 nasce o filho dos donos do célebre Hotel Gomes, Antão de Moraes Gomes, filho legítimo de António Augusto Gomes e de Dona Sara de Moraes Gomes.
    Assim reza o seu verdadeiro assento de nascimento, com o n.º 20 desse ano emitido pela Conservatória do Registo Civil de Peso da Régua. (Quatro dias antes daquele que muitos dos seus admiradores afirmaram e até escreveram).
    Ninguém diria que aquela criança, que como todas se pressupõe bonita e rechonchuda, viria a deixar este mundo tão brevemente, com apenas vinte e quatro anos, vítima de meningite tuberculosa que o transportou até às trevas do Granjal, em Sernancelhe, a aldeia natal de seu pai. Todavia, foi enorme o seu curto percurso pela efémera vida terrena: «Devido ao seu temperamento irrequieto e anseios de independência absoluta, chegou por vezes a lutar com a miséria, que procurava ocultar estoicamente, até aos seus mais íntimos, que teriam um prazer imenso em afastar-lhe da vista esse negro espectro..» - afirma com propriedade e conhecimento o abade José Castro.
    - Eu sou Antão: - Fui santo e fui pastor,
    Voltei de novo, ao mando do senhor,
    Tanger as vossas almas para o Céu

    Assim se definiu o poeta, e bem, dirá a nossa assumida humildade, sem contudo deixar de concordar com João de Araújo Correia que na sua voz autorizada afirma: «Santo e Pastor? Poeta é o que fio o Antão de Moraes Gomes. E mereceu o título...». Esta sábia observação é tanto mais lapidar quanto se observa o facto de o poeta o ter conseguido ser com apenas uma obra publicada em vida - «Antão era Pastor», que a Companhia Portuguesa Editora Lda, do Porto, arriscou publicar, em data incerta, apenas se sabendo desta aventura três pormenores de vulto.
    Não confiando no tipógrafo, Antão decidiu ditar ele próprio o livro, soneto a soneto. De todos os originais conhecidos, todos se encontravam escritos asa lápis. O seu conteúdo foi gerado entre 1920 e 1923.
    Depois de ler «Antão era Pastor» ficam os traços bem definidos da poesia, do poeta e do seu estilo, da sua musicalidade e do seu conteúdo metafísico e espiritual? Pergunta-se. Chegará este livro para definir a alma do poeta?
    Independentemente da natural ingenuidade que o leva a escrever aos catorze anos a célebre lírica de inocentes sextilhas « A Mariquinhas», não é possível analisar o peso do conteúdo de Antão de Moraes Gomes sem digerir os cerca de trinta sonetos inéditos que após a sua morte deram à página pela mão de um Abade de Tarouca – José Castro – que os fez publicar no semanário “Bandarra” de Lisboa.
    Contudo, já antes o tinha descoberto o então célebre poeta da capital Afonso Duarte, numa sua visita às termas, fazendo disso referência em carta dirigida ao mestre Osório de Oliveira, de Coimbra, escrevendo a dado passo: « ... e os que morreram os vinte anos, como esse extraordinário moço que eu conheci numas termas do Norte, no Moledo, quasi desprezado de todo o convívio, o meu querido Antão de Moraes Gomes. Que galeria de mortos, amigo e de um real valor eu tenho aqui na minha estante- os meus mortos sem que eu saiba ou possa falar deles!».
    Ao encontro deste lamento compreendido vem João Araújo Correia, ao referir-se ao poeta na relação com o seu tempo e lugar: « ... passou despercebido no seu berço... a Régua se reparou em Moraes Gomes, foi devido a umas gravatas berrantes ou coletes de alta fantasia que levava ao cinema...» para mais adiante salientar: «... Antão de Moraes Gomes, com gravatas e coletes, cometeu o pecado de Balzac em ponto pequenino».
    Assim enquanto no seu livro único, e por detrás de uma descrição eivada de algum bucolismo, o poeta retrata as suas preocupações quotidianas, ambiências terrenas e as liga sempre ao fenómeno sagrado, chegando a dialogar de perto com a morte, nos seus poemas soltos e inéditos do Bandarra, o nosso esquecido Antão despe-se completamente, e deixa transparecer paixões enigmáticas e valores, resumos de vida e certezas de morte, que a cada passo se encontram em versos e estrofes:

    Quando vem Maio, com seu ar de festa,
    Em ti negra saudade se adivinha:
    E a tua sorte bem igual à minha,
    Já dos nosso bons tempos nada resta

    Ou então, a tal paixão proibida, ou impossível...

    Meu Amor, um perfume como o teu,
    Mal posso imaginar donde provem...
    Certo, não vem da Terra, é odor do Céu
    O perfume, que a tua carne tem
    A mensagem quase premonitória da morte, a ligação panteísta da imagem humana e terrena ao divino, a mãe natura que o rodeia e a paixão inconfessável e enigmática, são, definitivamente, os temas recorrentes na poesia de Antão de Moraes Gomes, sem contudo deixar de ir ao encontro do pensamento poético- filosófico da sua época.
    É neste conturbado rio de correntes e redemoinhos que o poeta Antão se encontra com aquilo a que mais tarde Adolfo Casais Monteiro viria a designar por “ libertação da palavra”. Aqui está o que melhor conseguiu o nosso poeta, que como diria o Abade José Castro « ... bem nítida ressaltará sempre a maneira original, inconfundível das suas poesias, todas inspiradas no meio ambiente. Idealiza muito, escrevendo pouco».
    Restam contudo algumas questões que por certo valerá a pena deixar ecoar no salão da especulação poética. Qual seria o enigma de Antão de Moraes Gomes? Seria um pacto com Deus, ou simplesmente um olhar de Deus visto em cada uma das suas criações? E sendo assim porque deparamos com os enlevos de paixões tão ardentes como desconhecidas?
    Para este poeta, para este homem de poucos rastos, volto aos pensamentos do Abade: «Deus o tenha agora à sua mão direita ... Do Céu nos fale o ilustre morto!...».
    É aqui que o súbito toque de um sino distante que ecoava por todo o vale nos faz regressar ao misterioso viajante, perdido na famosa avenida dos fabulosos plátanos, entre os grandes edifícios das termas e as calmas águas do rio.
    Nas suas mãos, podia ver-se ainda um postal ilustrado, meio por escrever, mas que agora seria bastante pequeno para este enorme infinito duriense de memórias, de intensos aromas e de poesia.
    A esta hora, já o rio respirava a bom dormir e a cálida noite esfriara. Havia uma penumbra envolta nas coisas, enquanto alguém passeava, devagarinho por entre as sombras dos enormes plátanos, olhando para a outra margem, com um livrinho de poemas para ler.
    Acreditem ou não, ainda hoje não tenho a certeza, de quem ali teria estado, sem pressa de chegar à eternidade.
    Se fui eu num regresso feliz aos lugares da minha infância, ou se o próprio poeta, que ali continuava, à procura de todos nós.

    28 de Julho de 2000.
    José Alfredo Almeida
    Peso da Régua

    quinta-feira, 30 de abril de 2009

    CONFISSÃO por António Reis Baia

    (Clique na imagem para ampliar)

    No meu tempo de rapaz havia tão poucas máquinas fotográficas que até se sabia quem as tinha. Eu tive uma emprestada… E foi com ela que, muito cedo, comecei a interessar-me pela fotografia.

    Mas, só em 1944, ano em que entrei para a Casa do Douro, me encontrei verdadeiramente com a arte fotográfica. Devo esse encontro ao meu chefe de secção senhor Arnaldo Monteiro que, já nessa altura, era considerado um amador de muito mérito. No seu modesto laboratório e com os seus valiosos ensinamentos tomei consciência da profissão que me esperava.

    Perdido o meu primeiro mestre e não havendo em Portugal qualquer curso de fotografia, mandei vir de Espanha os livros que por lá se editavam sobre a matéria que tanto me seduzia.

    Tive o meu primeiro atelier nas Caldas do Moledo, onde iam “tirar o retrato” as pessoas das redondezas, da Régua na sua grande maioria. Por minha conveniência e dos clientes, montei, logo que pude, um estúdio e laboratório num 2º. andar da Rua da Ferreirinha. Com melhores condições e maiores exigências da clientela foi possível ir melhorando a qualidade do meu trabalho.

    Entretanto, como a arte fotográfica se fosse alargando em complexidade e fechando em segredos cada vez maiores, vi-me na necessidade de me deslocar a Lisboa e frequentar os laboratórios da Filmarte. Foi como se um novo mundo se abrisse à minha curiosidade e insatisfação. A partir daí a minha objectiva jamais se contentou com os retratos do ganha pão. E tudo me tem servido: paisagem, flores, animais, estações do ano e do homem.

    Se aqui venho com o que foi mais querido ao meu espírito e ao meu coração é por me terem dito que valia a pena repartir convosco estas recordações de TRINTA ANOS DE REVELAÇÃO. Caí na vaidade de acreditar.
    - Autor: António Reis Baía - texto inédito escrito pelo fotógrafo para o catálogo de uma exposição de seus trabalhos - "30 anos de revelação" que decorreu no Salão Nobre da Casa do Douro entre 11 e 17 de Agosto de 1986. Infelizmente, foi a última.

    • António Reis Baía nasceu no belo lugar de Caldas do Moledo, freguesia de Fontelas, a 28 de Março de 1921 e faleceu em 7 de Março de 2004 em Peso da Régua onde sempre trabalhou e onde retratava com esmero figuras locais, instituições, sua natureza e povo. È pena que o seu espólio fotografico particular não tenha ficado á guarda de uma instituição pública local para que as novas gerações pudessem aprender cultuando sua arte e pessoa de artista do Douro. Grande parte das fotos publicadas neste blogue sobre a História dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua são de autoria de António Reis Baía.(Dados e imagem gentilmente cedidos por J. A. Almeida)

    Uma nota - Por volta de 1957 meu saudoso Pai, Jaime Ferraz Rodrigues Gabão partiu para Moçambique (Porto Amélia) em busca de um futuro melhor, mais digno, para seus Filhos e Esposa. Seis meses de saudade depois, tivemos de nos preparar para partir ao seu encontro. E, nessa época era moda e precaução salutar contra os fortes raios solares dos trópicos usar "capacete" bem ao jeito de "caçador africano"... Pois lá fomos até ao Porto onde, em casa especializada do agitado centro, creio que pela Rua de Santa Catarina se a memória não me engana, encomendamos dois dos tais "capacetes": um para mim e outro para meu Irmão Júlio Gabão... Mas e deixando rodeios desnecessários, é importante frisar que, de posse dos tais "adornos" coloniais, não poderiamos embarcar para a África de nossa adolescência feliz sem umas fotos que "gravassem" ou perpetuassem o quanto eles nos deixavam com ar de aprendizes a "senhores da selva". E, naturalmente só poderiamos recorrer ao "Sr. Baia". Este, acolhedor e habilidoso sem deixar de manter seu ar sério, conseguiu pois retratar-nos admirávelmente entre palavras e recomendações de Amigo, afugentando nossa aprensão de criança com medo do desconhecido do outro lado do mar...

    Em 1975 "retornamos" a Portugal e à nossa Régua. E lá encontramos o Sr. Baía, no mesmo local, do mesmo jeito, com alguns cabelos e bigode grisalhos e com o mesmo acolhimento... Trocamos algumas poucas vezes, idéias simples sobre as "fotos do capacete" que ainda guardo, sobre a África que ficara para trás e na memória, sobre o novo Portugal repleto de encantos e desencantos político-sociais e sobre a então nova preocupação quanto ao horizonte futuro de filhos e netos... Depois, o destino trouxe-me para longe da Régua do Sr, Baía, da Régua de minha Família e da Régua de minhas raízes... mas nunca para longe da Régua das lembranças eternas de criança e da Régua da nostalgia de momentos e Amigos como o Sr. Baia. - Jaime Luis Gabão, 30 de Abril de 2009.

    quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

    Uma imagem ao acaso - Estação das Caldas do Moledo

    Estação de caminhos de ferro das Caldas do Moledo - Peso da Régua
    (Clique na imagem para ampliar)

    Gostei de rever o Moledo...

    Nasci neste lugar com um parque de grandes e velhos plátanos onde aconteceu a minha infância mágica e onde aprendi a olhar a beleza da natureza que me trazia sombra nas tardes quentes de verão... Do lado do rio fascinava-me ver as primeiras cerejeiras em flor e deliciava-me com as primeiras uvas maduras que meu avô Saraiva colhia da sua vinha...

    Que tempos ...!  Mais tarde descobri que este espaço de encanto tinha acolhido também em meus folguedos de criança, a convivência com um poeta autor de pequeno livro de poesias, o "Antão era Pastor", achado em prateleira empoeirada de velha livraria do Porto.

    Mais vezes tenho voltado ao meu Moledo pelo comboio da imaginação, graças a esse pequeno livro.
    - Peso da Régua, 5 de Fevereiro de 2010, José Alfredo Almeida.
    (Clique na imagem para ampliar)

    sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

    Para sempre... nas Caldas do Moledo

    Na última vez que  passei pelas Caldas do Moledo percebi que nunca ousei partir deste lugar único.

    Para sempre, fiquei a morar nele num tempo que não existe e não me pertence mais. Foi ficando neste meu lugar, junto às antigas margens do velho rio Douro, que só só existem do que ficou do meu passado. Como o tempo, um rio novo rio tudo mudou e submergiu o mundo em volta da imagem que ficou guardada no postal. Aquele velho balneário termal que foi lugar de muitos banhistas à procura de curas para os padecimentos do corpo e minhas inocentes brincadeiras, ficou também para sempre no fundo das água, sem que ninguém tenha ousado mudar-lhe aquele seu destino. Como também não mudamos nada do nosso, deixamo-nos submergir nas correntes da vida e sem vontade de ousar partir para novos destinos e de  fazer do que resta da vida um sonho feliz.

    Fomos ficando aqui para sempre, submersos ao fluir vida e a uma paisagem única e inesquecível. Hoje sei que se tiver de sair deste lugar  tenho de entrar pela escuridão da noite adentro para procurar o lugar certo em que perdi o futuro.

    Dizem por aí, que  tu sabes... que te foi contado em segredo, numa noite de chuvas e trovoadas, na  casa de  uma velha cartomante que o descobriu  num baralho de cartas.

    Não sei se é verdade e se acredite no que dizem as cartas sobre os destinos da vida e os nossos futuros. Mas, quando faço um balanço do que vivi recordo para mim o que disse um escritor acertadamente: «Sou a criança que queria manter a ilusão e, ao mesmo tempo, o velho ciente de que tudo tem preço, tudo tem fim», como se pode ler na página 225 do seu romance "A Amante Holandesa". Como se fosse um personagem da vida, também eu fui ficando... neste meu lugar, junto às antigas margem do rio Douro que só existe em memórias, velhos postais que resistiram ao tempo e no que eu arquivei do meu passado.

    Olha, apetece-me consultar a tua cartomante. Talvez só ela saiba mesmo se ainda por aí existe algum FUTURO...!
    - José Alfredo Almeida, Peso da Régua, Fevereiro de 2011. Clique na imagem acima para ampliar.

    quarta-feira, 21 de novembro de 2012

    Uma carta do além… *

    Canelas do Douro, 28 de Novembro de 2012

    Exmo. Presidente dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua
    Dr. José Alfredo Almeida
    Ilustre Causídico,

    Quando há quase três décadas fixei o meu eremitério em Canelas do Douro, perdi um pouco o ritmo de carteador compulsivo que fui ao longo de quase toda a minha vida. Porém, de quando em vez, ainda faço o gosto ao dedo.

    Aproveito, desta feita, o 132º aniversário dos nossos Bombeiros para me dirigir a V. Excia. e na sua pessoa a todos os bombeiros da corporação, aos que ainda servem e defendem as populações e aos que mudaram de sítio, para eremitérios como este meu. Quando aqui chegaram meus filhos João e Camilo, muitas novidades me trouxeram da nova Régua com suas evoluções e dislates, e com especial atenção me contaram a fidelidade e modernização da nossa Associação como força viva e dinâmica, comandada por homens de pendor humanista, o que estou certo continuará a distingui-la da apatia comum.

    De V. Excia. me contaram ser um jovem causídico muito dedicado à causa dos Bombeiros e à cultura. Senti-me de novo com o mesmo júbilo com que brincava com os ademanes da farda de meu pai que, como sabe, também foi bombeiro, no tempo do quartel no Largo da Chafarica. Dizem-me ainda que é V. Excia natural de Caldas do Moledo, terra natal de meu pai.

    Não há muito tempo, encontrei no recreio das almas, um bombeiro do quadro de honra – o amigo Teles – que me cumprimentou com saudade e de imediato me falou dos nossos bombeiros. Foi ele que me explicou que V. Excia é filho do Sr. Almeida, carteiro de profissão, que muitas cartas me levou, Medreiros acima.

    Percebi que V. Excia seria o inesquecível recém-nascido que um dia me entrou consultório adentro, em vias de perecer por rejeição do leite materno. Tudo se resolveu, felizmente, e sem o saber, até nessa hora providencial continuei a servir com o que tinha de mim, a causa e o futuro dos Bombeiros da Régua.

    Bem-haja o senhor doutor pelo trabalho que tem feito, permita-me, pelo Bombeiro que tem sido! Sei que teve mesmo o rasgo e o bom senso de escrever memórias da história da corporação e dos seus servidores, bombeiros voluntários e soldados da paz, como então se dizia. Mergulho a alma na saudade ao lembrar-me dos bombeiros do meu tempo e de algumas personagens inesquecíveis – as barbas brancas do Afonso Soares, o José Ruço, o Riço, o João dos óculos, o anedótico Justino, que sempre que metia no seu discurso flores, falava de gipsófila, muito embora lhe chamasse “pisgatófilha”. Enfim…

    Do muito que me lembro dos bombeiros, que sempre mereceram o meu zelo e até o meu sacrifício, não consigo esquecer o prazer com que preenchi páginas e páginas do nosso querido boletim “Vida por Vida”. Um exemplo de utilidade pública que cultivava o amor dos cidadãos pelos seus bombeiros, e ainda apontava aos homens primores e desprimores da nossa terra. Não quererá V. Excia. aceitar o desafio de fazer renascer o “Vida por Vida”? Certamente haverá hoje na Régua gente capaz de lhe preencher novas páginas. Seria notícia que muito me agradaria receber na minha tebaida de Canelas.

    Oxalá continuem os Bombeiros, mais ou menos voluntários, mais ou menos modernizados, a ter no seu quartel local de palavra e reflexão, de convívio e dinâmica cultural. Afinal, se os bombeiros acodem a fogos e doentes, porque não haverão de acudir às maleitas da sua terra? Falo-lhe em maleitas porque também me chegam notícias tristes sobre as nossas Caldas do Moledo e a sua Estância Termal a agonizar, vítima da estrupícia dos homens… e ainda o desprezo pelos jardins e pelas árvores, que continuam a sofrer ataques arboricidas, ao que me dizem! Já que mataram o secular Jardim Alexandre Herculano, ao menos que salvem a Alameda.

    Dizem-me ainda que tem agora a Régua uma Biblioteca Municipal, moderna e eficaz, com uma sala onde se veneram e guardam os livros com o meu obscuro nome! Pois aplaudam-se com todas as mãos os autores da ideia e da obra. Entristece-me ver fechada a velhinha biblioteca Maximiano de Lemos, que nasceu da pequena estante que existia ainda no quartel da Chafarica, e que foi a minha primeira biblioteca, na altura enorme e poderosa aos olhos de uma criança aprendiz de leituras.

    Contam-me os meus filhos que o rio está prenhe de barcos, uns são hotéis flutuantes cheios de mundo, outros que são Rabelos a motor! Os primeiros são-me bem-vindos, pelo ar fresco que trazem a terra possuída pelo tranglomanglo; os segundos é que me parecem cozinhado de estrugido queimado… Bem que ficavam nas baías da Régua e do Pinhão os velhos monarcas Rabelos, mas sem motores, de vela ao vento e arrais ao leme, passeando devagarosamente turistas, como se fossem as “gôndolas” do Douro.

    Chegam-me notícias de que a Casa do Douro está atacada por doença cancerígena prolongada, agonizando à espera da morte definitiva. Pobre Antão de Carvalho, pobres paladinos do Douro, que devem estar em sofrimento, mesmo depois da suposta paz que se seguiu à sua vida terrena.

    Por seu lado, depois de conseguido o Museu do Douro por que tanto clamei, está agora em maus lençóis, sem destino à vista! Sinto-me recolhido em Canelas do Douro, sem inveja nenhuma de quem por aí anda, e protegido de desgostos que me seriam fatais ao espírito.

    Meu caro amigo Dr. José Alfredo Almeida, sou obrigado a concluir que tanto na Régua como na Pátria, talvez só mesmo os Bombeiros continuem, pela sua atitude, exemplo e coragem, a merecer a minha contínua doação e sacrifício, mesmo que daqui deste meu eremitério espiritual.

    Em dia de aniversário dos nossos Bombeiros, deixo-lhe, com redobrado sentimento, o que a alma me ditou há mais de meio século, e que acredito ainda seja o espelho dos Bombeiros da Régua e de todo o Portugal: «Um homem de luvas brancas, com machado de prata às ordens e a cabeça adornada por um elmo de ouro, não é um homem. É um semideus.»

    Já vai longa esta minha conversa com V. Excia, por isso recorro à tábua dos “Signaes de Incêndio”, que era de meu pai, para dar as cinco badaladas finais com que a sineta manda parar.

    Abraço todos os Bombeiros do Peso da Régua e de Portugal.

    Creia-me, com admiração e estima,

    João de Araújo Correia
    Texto de autoria de *JOSÉ BRAGA AMARAL - escritor e jornalista. Clique  nas imagens para ampliar. Texto e imagens cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagens e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Só é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

    quarta-feira, 13 de julho de 2011

    O nosso ninho


      Horácio de Moura Lopes - O nosso ninho
                               
    Construirei, além, o nosso ninho!
    (A noiva serás tu, romeira linda!)
    Mesmo pobre terá luz… graça infinda,
    Sem lhe faltar o sol do teu carinho.

    Não temas noite escura, desabrida!
    Vem comigo, não olhes ao caminho!...
    Há-de ser um pombal muito branquinho!
    Onde o mal não espreite a nossa Vida.

    Eu quero dar-lhe foros de alegria…
    Onde se ouça uma prece em cada dia,
    Impetrando uma graça lá da Altura!

    E, no esplendor da paz e da harmonia,
    Habitaremos sós, até que um dia,
    Alguém venha dourar nossa ventura.

    - Régua, Agosto de 1949
    Publicado na revista “Princesa do Douro”
    Blogue "O privilégio dos Caminhos" de Júlia Moura Lopes, filha de Horácio Moura Lopes.
    :: -- ::
    Algumas palavras de José Alfredo Almeida: Homenagem a um cidadão quase desconhecido mas grande poeta há muito falecido. Amou a Régua e as Caldas do Moledo onde gostava de se inspirar na luz dos mágicos  luares do velho parque termal,  para escrever apaixonados e inesquecíveis sonetos como o que hoje recordamos,  que ficaram esquecidos em velhos jornais e revistas, à espera de todos nós, amantes de poesia, de luz e das suas eternas luas de magia...!

     -  Foto de Miguel Guedes, para ilustrar, a entrada do parque termal das Caldas do Moledo. Clique na foto para ampliar. Edição de J. L. Gabão.

    quinta-feira, 14 de abril de 2011

    A Visita de Sua Majestade El-Rei D. Carlos


    Acontecimento importante na história dos bombeiros da Régua, foi a visita que fez o El-Rei D. Carlos, no dia 11 de Junho de 1895, ao seu quartel, então situado no Largo da Chafarica - hoje o Largo dos Aviadores - onde visitou as instalações da Real Associação – título concedido em 1892 pelo seu pai, o Rei D. Luís -, cumprimentou bombeiros e directores e   assinou o livro de honra  e  pode ainda escrever  uma  breve  mensagem de enaltecimento:

    “Folgo imenso saber, na minha infelizmente tão curta visita à Régua, de ter a ocasião de visitar a sede de tão útil e benemérita Associação. Faço votos para que prospere como merece”.

    Na verdade, em 1895, o Rei D. Carlos (1863-1908) fez uma visita à Régua que foi considerada um triunfo. Definiu-a assim o historiador Rui Ramos numa recente biografia que escreveu sobre o Rei. Se entendemos o sentido, os efeitos positivos dessa viagem para o Rei foram marcantes a nível político.

    A visita de D. Carlos à sede da “útil e benemérita Associação” fez parte do seu programa oficial da viagem à Régua. A preferência pela associação dos bombeiros evidencia a influência que tinham na sociedade reguense, uma das primeiras a ser constituídas no país. Como um acto de voluntariado genuíno e generosidade dos cidadãos eram movimentos cívicos que se preocupavam em responder aos problemas de protecção e socorro e a algumas necessidades recreativas e culturais. Além do mais, esta visita também mostrava o respeito e a atenção que o Rei D. Carlos sempre manifestou a estas associações humanitárias, algumas das quais ele concedeu o título honorífico de “Real” e era sócio-honorário.
    Antes de visitar a sede dos bombeiros, El-Rei tinha sido recebido nos Paços do Concelho. Em cerimónia pública, o presidente da câmara leu uma mensagem aprovada na reunião da vereação. Que pretensões sociais e preocupações das populações lhe foram transmitidas não sabemos. Admite-se que os problemas dos lavradores do Douro tenham sido o tema principal. Se essa mensagem se perdeu deve-se ao descuido dos homens que a deveriam ter arquivado “no copiador da correspondência, para que conste pelos tempos fora”. Como o copiador desapareceu, a mensagem não consta no nosso tempo. Perdeu-se um documento de valor que ajudaria a compreender uma época, as dificuldades de uma região e dos seus vitivinicultores.

    Na Régua, El-Rei D. Carlos aguardou a chegada da Rainha D. Amélia, vinda de S. Pedro do Sul. A recepção de Sua Majestade a Rainha foi extraordinariamente foi “delirante, pena foi que esta Augusta Senhora não pudesse vir aos Paços do Concelho, aonde era esperada com ansiedade, mas motivos imperiosos e justificativos que apresentou ao presidente da edilidade obstaram, porém, à sua vinda.

    O Rei D. Carlos “perante o descontentamento dos vinhateiros fez um pequeno discurso que lhe valeu bastantes aplausos”. Consta que o Rei, sendo lavrador no sul do país, tinha dificuldades em perceber os problemas dos lavradores do Douro, que atravessavam mais uma crise económica: os baixos preços dos vinhos e a concorrência dos vinhos do sul. Contudo, o Rei empolgou-se no seu discurso ao comprometer-se com uma resolução, mas como a decisão cabia ao governo do regenerador Hintze Ribeiro, deixou os colaboradores alarmados, já que se o governo “não o fizer el-rei ficaria numa péssima situação”. Esta visita acabou com um jantar servido “em sua honra, de Sua Majestade a Rainha e Sacratíssimos Príncipes”, nas Caldas do Moledo, a convite da D. Antónia Adelaide Ferreira – a Ferreirinha -  no seu Palacete.
    Quando uma associação de bombeiros recebe a vista de um Chefe de Estado é sempre um acontecimento histórico de importante significado político e social. Sendo interpretado como sinal de reconhecimento do poder politico pelos valores do associativo e do voluntariado na área da protecção civil é, ao mesmo tempo, um estímulo à prática dos valores de cidadania e de promoção de uma sociedade participativa e solidária.

    Os bombeiros da Régua não receberam a visita do General Óscar Carmona. Este Chefe de Estado veio a Vila Real, no dia 1 de Junho de 1931, para no Jardim da Carreira, colocar no seu estandarte a comenda da Ordem Militar de Cristo. Quem, depois do rei D. Carlos, os visitou no seu quartel foi Almirante Américo Tomás, em 22 de Maio de 1965, numa recepção apoteótica, depois de receber as honras visitou as instalações e assinou o livro de honra e depois, no regime democrático, o General Ramalho Eanes.

    O General Eanes fez uma primeira visita no dia 14 de Julho de 1977. Como documenta a imagem fotográfica, foi recebido à porta do Quartel Delfim Ferreira, por uma guarda de honra, comandada pelo Chefe Armindo de Almeida e alguns bombeiros conhecidos -  Joaquim Sequeira de Teles, José Rodrigues Pinto,   António Pinto Monteiro, António Tavares e   António Pinto Teixeira Barros. Deixou assinalada a sua presença ao assinar o seu nome no livro de honra. A segunda visita do General Eanes aconteceu no dia 10 de Setembro de 1980. Recebido por uma guarda de honra à porta do quartel, onde se encontrava à frente o Comandante Cardoso, era convidado da Liga dos Bombeiros Portugueses para presidir as cerimónias de abertura do 24º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses.

    Os bombeiros da Régua aguardam a próxima visita do actual Chefe de Estado, o Prof. Cavaco Silva, que será convidado para estar presente nas cerimónias do 41º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses. Organizado pela Associação, que conta com mais de 130 anos de história, este evento será mais um contributo dos bombeiros da Régua para afirmação dos valores humanistas do voluntariado de homens e mulheres que cumprem uma missão sob um lema universal: Vida por Vida.
    - Colaboração de J. A. Almeida - Régua para "Escritos do Douro" em Abril 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.


    A Visita de Sua Majestade El-Rei D. Carlos 
    Jornal "O Arrais", Quinta feira, 31 de Março de 2011
    (Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
    A Visita de Sua Majestade El-Rei D. Carlos

    quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

    Ecos do 41.º Congresso Nacional dos Bombeiros em Peso da Régua

    Clique na imagem para ampliar

    Ecos do 41.º Congresso Nacional dos Bombeiros em Peso da Régua e da apresentação do livro “Memórias dos Bombeiros do Peso da Régua”, da autoria do Sr. Dr. José Alfredo Almeida, Presidente de Direcção da Associação.
    Por José Silva Pinto 

    Este evento histórico, realizado pela 2.ª vez nesta cidade do Peso da Régua, teve início com uma Saudação Solene, nos Paços do concelho (a que não pude participar por motivos familiares), teve o brilhantismo a que nós, os reguenses, estamos habituados, bem como quem nos visita, de longe ou de perto, em efemérides deste nível cultural e/ou artístico!

    Estive presente, sim, na apresentação do livro “MEMÓRIAS DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS  DO PESO DA RÉGUA”, da autoria, como disse do Sr. Dr. José Alfredo Almeida, seu Presidente DDDM.º, no Salão Nobre da (nossa) Casa do Douro, dia 28 de outubro, p. p., com uma Sessão Muito Solene, 6.ª f. com início às 19 horas e com o Salão completamente cheio – o que, felizmente, vem sendo bom hábito em eventos deste género e semelhantes!
    1. Na mesa de Honra ou da Presidência, estavam presentes: o autor do referido livro Sr. Dr. José Alfredo Almeida, o Rev. Sr. Padre Vitor Melícias – digamos bem conhecido e apreciado por todo o País, pelas suas constantes e oportunas intervenções, à vontade, sem fronteiras, em questões de solidariedade, humanitárias e humanistas, sobretudo a favor de “grupos heterogéneos”, onde se apalpam carências de toda a ordem: material, moral e social – como “Apresentador” do livro em causa. Fê-lo com um à-vontade como se a obra fosse escrita por ele próprio e na qual tivesse posto uma boa parte da sua eloquente sabedoria, quase enciclopédica, e do seu grande amor, próprio da alma de um “Franciscano” (à maneira do seu Patrono e Doutrinador, São Francisco de Assis – o santo a quem muito incomoda a falta de paz, alimentação, saúde e mortes prematuras de todo o gênero). Disse ele:... Isto é o que se me oferece dizer (foram 25 minutos, que pareceram apenas 5...) que o leu depressa, de noite e de dia mas, acrescentou: “Hei-de voltar a lê-lo com vagar para cultivar o meu espírito e o meu coração”. Muito mais disse...para o que não tenho espaço!...
    2. Estiveram, ainda na Mesa: um simpático representante da Casa do Douro, o Sr. João Leonardo, que agradeceu a preferência do pedido daquele Salão Nobre, e, ainda o Sr. Vítor da Rocha que, suponho eu  o Editor de “A Mosaico de Palavras Editora”, de Rio Tinto, que foi o 1.º apresentador do livro magistralmente desenvolvido, com uma forma inovadora, para mim. Agradou-me imenso e, sem o ter lido, dei conta que já os meus lábios estavam a tocar e a saborear algo meloso! Muitíssimo bem dividido em sub-títulos e explicado quanto bastou, para se ter conhecimento da riqueza histórica e literária que nos deliciou! Estavam, ainda, na Mesa de Honra: o Sr. Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Dr. Duarte Caldeira, que conheço muito bem a individualidade da pessoa, pois aparece, muitas vezes, nas Tvs. A Mesa de Honra estava muito bem engalanada com um honroso grupo de 5 bombeiros, bem perfilados, e com a Bandeira ao centro, transportada pelo Chefe José Oliveira, bem conhecido e estimado por todos os reguenses – tal como o saudoso e amigo Sr. João (dos óculos)! Eventos como este, ou semelhante, devem repetir-se, pois são muito culturais, pedagógicos e educativos, principalmente para a nossa juventude e também para os adultos, pois, infelizmente, na Régua, há e tem havido muita falta de manifestações como esta e/ou semelhantes. Além disto, dão alegria, movimento e um tom festivo – no meio de outras situações menos alegres ou mesmo tristes, stressadas, pesadas demais...
    3. Reportando-me ao “fantástico”, mas realista e primoroso autor do livro, recordo que nasceu perto de nós. O seu berço está nas famosas e saudosas Caldas do Moledo; o meu está nas margens do rio Douro, no antigo “Cais-de_baixo” - a 2 ou 3 Kilms. de diferença. Foi Vereador da Câmara anterior, passando por diversos Pelouros, segundo as suas qualidades se iam evidenciando. Sobretudo, ama e dá a sua vida pela Régua, como sendo a sua Pátria! Parafraseio Camões: “Ditosa Pátria que tais filhos teve”! Tem sido um Presidente da Associação, a sobressair, pois construiu novas e grandiosas instalações nas traseiras, na rua Dr. José de Sousa, com perspectivas de futuro de mais de um século, e acaba de restaurar o Quartel Principal, exterior e interiormente, com uma proficiência invulgar, que o orgulha, orgulha os Bombeiros, a cidade, o concelho, o distrito e o País! Assim, é que nós queremos destes Homens que, citando Camões, uma vez mais, “Vão muito além da Taprobana”! Isto enriquece a Régua e dá jus de louvores a toda a gente que, à sua maneira contribuiu para tal orgulho da nossa Terra! Parabéns! Parabéns!!! Trata-se, ainda, de uma pessoa bemquista e respeitada por toda a Régua e Região, que o conhece melhor que eu, desde há longos anos. Possui, assim, todas as qualidades e dons para continuar a presidir à (nossa) briosa Associação dos Bombeiros Reguenses, e de quem podemos, queremos e temos, ainda muito que esperar. É Presidente da Federação das Associações congeneres do distrito de Vila Real e é elemento directivo a nível nacional, etc.!
    4. Na ocorrência desta história efeméride, fica bem dizer algo acerca da origem e história dos Bombeiros : - “Os Bombeiros são pessoas que têm por missão: extinguir os incêndios (com a “Bomba “, segundo a raíz do termo) e que, por extensão, acorrem a todos os acidentes que ponham em risco vidas e valores. (...) Foram os Hebreus e os Gregos que criaram os primeiros “vigias noturnos” encarregados de efetuar rondas, dar alarme em caso de fogo e combatê-lo. Na antiga Roma, também este uso foi conservado e desenvolvido, havendo os “Triunviri nocturni”, que asseguravam a polícia, durante a noite, contra os malfeitores e davam o alerta em caso de incêndio. - Em PORTUGAL, a “CARTA RÉGIA” de D. João I, datada de 1395, estabelecia os ”vigias noturnos” e definia, para a extinção de incêndio, as missões de carpinteiros machados. (…) A evolução do serviço conduziu, de acordo com a evolução da técnica, a maior presteza na chegada dos Bombeiros aos locais e a processos mais eficientes de extinção.(...) Existem “Batalhões de Sapadores” em várias cidades do País, e municipais em alguns municípios e em vilas, sendo a restante cobertura feita por “Associação de Bombeiros Voluntários” - que é o caso da Régua e das Associações presentes, de 28 a 30 de Outubro, nesta cidade, beijada pelas margens do seu Rui Douro (ou Dourado) tendo, com sentinela e contraforte a gigantesca Serra do Marão e, como seu Éden, as vinhas verdejantes, cheias de doce néctar!
    5. “Atualmente, também está cometida aos Bombeiros uma missão de “Prevenção”, traduzida em dois tipos: a) apreciação de projetos de construção e reconstrução de edifícios, e b) vistoria, verificando a correta execução do projeto, aprovado por que de direito, só após o parecer favorável dos serviços de Bombeiros competentes, (Esta função é do conhecimentyo geral, mas nunca é demais recordá-la para bem dos munícipes e bombeiros)!
    6. Foram figuras dominantes, entre outras, no Historial dos Bombeiros Portuguerses, o inspetor-geral CARLOS JOSÉ BARREIROS, que, nos meados do séc. XX, foi o organizador do serviços de incêndios na capital; GUILHERME GOMES FERNANDES, inspetor-geral de incêndios do Porto, e GUILHERME COSSUL, fundador da Associação dos Bombeiros Voluntários de Lisboa, a primeira criada no País, etc... Nos últimos tempos de D. FERNANDO, se deve a aquisição da primeira escada “Magirus” hipomóvel e do primeiro material automóvel. (Nº. 4, 5 e 6: Enc. Verbo Séc. XXI, pág. 1276-7, vol. 4).
    7. Para terminar, as sete “virtudes capitais”: 1.ª:  “Vida por Vida” é o lema e tema de todas as Associações de Bombeiros, quer de Sapadores, quer Voluntários. Nesta 1.º, é de esperar que todos os “beneficiários desta missão/risco se compenetrassem/interiorizassem do que é “Dar uma Vida”, pelo próprio falecimento ou incapacidade, vitalícia ou temporária, por outra vida, porventura desconhecida, a qual poderá ficar vítima nos mesmos termos. - 2.ª: o (a) bombeiro (a) pode, na sua missão altruísta/humanitária, deixar uma viúva e órfão(s). 3.ª: a sua doação de vida pode correr o risco de não lhe dar o valor que merece... Mas, o SENHOR DA VIDA E DA MORTE DAR-LHE-Á O GALARDÃO DA VIDA ETERNA QUE MERECE. Disto, tenho – TENHAMOS – a certeza como eu escrever e vós lerdes !
    Tenho pena de não poder continuar estas singelas reflexões. Mas o jornal tem as suas normas!... Que ainda na nossa vida, possamos ter e sentir as mesmas ALEGRIAS DESTA FESTA MEMORÁVEL!!!

    Colaboração do Dr. José Alfredo Almeida. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Dezembro de 2011.